Quinta-feira, 10 de março de 2022 Nas últimas três semanas, só costuma chegar água a cada dois ou três dias e o volume não é suficiente para...
Quinta-feira, 10 de março de 2022
Nas últimas três semanas, só costuma chegar água a cada dois ou três dias e o volume não é suficiente para atender aos habitantes
Imagem: Divulgação
Complexo da Maré |
Os últimos dias têm sido de bastante calor na ‘Cidade Maravilhosa’, e nada melhor do que um bom banho para refrescar. Pena que os moradores de algumas comunidades do Complexo da Maré, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, não podem dizer o mesmo. Boa parte dos habitantes sofre com a escassez de água há mais de um mês. Há casos de desabastecimento parcial em ao menos três localidades: Vila do Pinheiro, Salsa e Merengue e Baixa do Sapateiro.
A região já sofria com a falta de água desde a época em que a concessão estava sob responsabilidade da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), mas a situação piorou depois da privatização da estatal por parte do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC-RJ).
Na capital fluminense, as áreas de abrangência da Cedae foram divididas em três blocos, e a venda dos dois primeiros ocorreu em abril de 2021 na Bolsa de Valores do Estado de São Paulo (Bovespa). As operações no Complexo da Maré estão sob o controle da Águas do Rio, detentora do bloco 1, para bairros da Zona Norte, Centro e Zona Sul. A transferência definitiva das operações para a nova concessionária foi feita em outubro do mesmo ano.
Logo quando a Águas do Rio assumiu o controle da distribuição de água, houve uma aparente melhora na oferta, mas a situação se agravou ao final de janeiro de 2022 e tem se arrastado até o presente momento.
Ao longo de fevereiro último, só era possível encher as caixas d’água ao final da noite ou durante a madrugada. Contudo, nas últimas três semanas, nem isso mais. Antes, os moradores sabiam que haveria água ao menos uma vez ao dia, mas agora não há nenhuma previsão. O pouco de água que chega aos encanamentos, a cada dois ou três dias, não é suficiente para atender a demanda nem para encher uma caixa d’água de mil litros, por exemplo.
Nas últimas semanas, a rotina de inúmeros moradores do Complexo da Maré tem sido cansativa, uma mistura de preocupação, estresse, insônia e exaustão. Em vez de estarem dormindo para trabalhar no dia seguinte, muitos precisam passar noites em claro tentando puxar água com bomba autoaspirante. Se não houver ninguém vigiando, o aparelho pode queimar por falta de água. Um morador contou a este repórter que tem cochilado no trabalho por ter ficado acordado na madrugada tentando puxar água. As pessoas, principalmente as que têm crianças, não sabem quando vão conseguir água para tomar um banho, usar na descarga, lavar uma louça ou preparar uma comida.
O curioso é que há trechos de ruas que têm água em abundância e outros, não. Cada um tem se virado como pode, pedindo água a vizinhos ou tomando banho na casa de parentes e amigos para driblar essa escassez. Outro problema é que nem todos têm dinheiro para comprar água mineral.
No último dia 7 de fevereiro, este jornalista, morador da região, publicou um vídeo em seu perfil no instagram, contando o drama que tem passado por conta dessa crise de desabastecimento. Na madrugada desta quinta-feira (10/3), postou outro vídeo para contar que o problema continua.
OPINÓLOGO conversou com vários moradores – que não terão seus nomes divulgados –, e a grande maioria relatou o mesmo problema, mas não sabe a quem recorrer. Nunca houve cobrança de água por parte da Cedae e também não há ainda pela Águas do Rio. Cabe destacar que embora o fornecimento de água seja gratuito, o Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/1990 – estabelece que existe uma relação de consumo entre fornecedor e o tomador do serviço, no caso empresa e o cliente, respectivamente. Toda e qualquer suspensão deve ser informada previamente.
OPINÓLOGO entrou em contato com a Águas do Rio para comentar o caso, informou o nome de algumas ruas afetadas e recebeu o seguinte posicionamento:
“A Águas do Rio enviou equipe técnica a região para identificar possíveis vazamentos que estejam prejudicando o fornecimento de água na região. A empresa disponibiliza caminhões-pipa aos moradores devidamente cadastrados que solicitam pelo 0800 195 0 195, que faz atendimento por WhatsApp e ligação”, respondeu a Águas do Rio.
Em 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu que o acesso à água potável e ao saneamento básico é um direito humano básico. Infelizmente, esse direito ainda não chegou aos habitantes do Complexo da Maré. Ademais, o Brasil precisa cumprir com o sexto item dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de 2030 dessa entidade global quanto à garantia do acesso à água potável e ao saneamento para a população.
Mais sobre a privatização da Cedae
Ainda no Rio, o bloco 2 da Cedae foi adquirido pela Iguá e é formado pelos bairros de Jacarepaguá, Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, Itanhangá, Taquara e redondezas, além de parte da Praça Seca.
A privatização do bloco 3 da Cedae na capital fluminense só ocorreu em dezembro passado. A ganhadora foi a empresa Águas do Brasil, que assumirá as operações na Zona Oeste, em bairros como Bangu, Deodoro, Campo Grande, Santa Cruz, Guaratiba, Vila Militar, Sepetiba e rendondezas.
Na prática, a Cedae continua existindo. Ela faz a captação de água e vende para as supracitadas concessionárias, que farão a revenda ao consumidor final.
Diferente de ocasiões anteriores, os recentes atos de privatização da Cedae não registraram grandes protestos. Um dos motivos é a pandemia de coronavírus (Covid-19), que obrigou a população a adotar protocolos sanitários como distanciamento e isolamento social. O outro motivo é que, entre 2019 e 2020, a água fornecida pela estatal fluminense tinha cheiro e gosto ruins devido à presença de geosmina. O problema se arrastou por meses, fazendo com que a população comprasse água mineral para beber. Quanto mais tempo a crise se arrastava, maior era a insatisfação em relação à Cedae. Quando os serviços foram transferidos à iniciativa privada, poucos se incomodaram. A queda na qualidade da água pode estar ligada ao recente desmonte praticado na empresa a partir da demissão de 39 antigos servidores responsáveis pelo controle de qualidade do produto.
A privatização da Cedae já era prevista. Em 2017, o então governador Luiz Fernando Pezão usou a empresa como moeda de troca para a garantia de um socorro financeiro junto ao governo federal para conter o déficit fiscal nos cofres públicos do estado decorrente da má gestão e de atos de corrupção deste e de seu antecessor Sérgio Cabral. A União foi fiadora de um empréstimo que o governo fluminense obteve junto ao banco francês BNP Paribas.
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