Domingo, 30 de dezembro de 2018 Imagem: OpenClipart-Vectors / Pixabay / Reprodução / Creative Commons Bandeira da Nicarágua Ao meno...
Domingo, 30 de dezembro de 2018
Imagem: OpenClipart-Vectors / Pixabay /
Reprodução / Creative Commons
Bandeira da Nicarágua |
Ao menos 325 pessoas morreram em oito meses de protestos massivos contra o presidente nicaraguense, Daniel Ortega, do partido Frente Sandinista de Libertação Nacional. Mais de duas mil pessoas ficaram feridas e outras 550 foram detidas e/ou processadas. Nove organizações não governamentais (ONGs) tiveram seus registros de pessoa jurídica cassados por decisão da Assembleia Nacional, o parlamento. Ao menos duas emissoras de TV – “100% Noticias” e “Confidencial” –, críticas ao governo, tiveram suas sedes invadidas pela Polícia Nacional e os acessos bloqueados. Alguns de seus dirigentes teriam sido presos de forma arbitrária, sob acusação de suposto crime de terrorismo e de orquestrar um golpe de estado. Operadoras de TV a cabo foram proibidas pelo ente regulador de retransmitir os sinais dos supracitados canais. Uma missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) para monitorar a situação do país foi expulsa, no dia 19 deste mês, por decisão do chanceler Denis Moncada. E apesar de inúmeras e graves denúncias de supostas violações de direitos humanos, inclusive de negação a atendimento médico e obstrução do trabalho humanitário para ajudar feridos, e de cerceamento à liberdade de expressão, a entidade continental não consegue resolver a crise que afeta a Nicarágua.
A aplicação de sanções ou a falta delas não é de responsabilidade exclusiva da OEA, e sim dos países-membros. A entidade é apenas uma personalidade jurídica que reflete a decisão da maioria. As nações do bloco podem fazer pressão política, instando os países a respeitarem as normas constitucionais e a democracia. Muitas das decisões são tomadas por motivações e afinidades ideológicas, independentemente das acusações. Somente a alternância de governos, parte de um fenômeno democrático, é capaz de mudar a decisão dos países integrantes do Conselho Permanente. Isso explica o porquê de a OEA nunca ter investido em ações concretas para conter as violações de direitos humanos amplamente denunciadas na Venezuela, por exemplo.
Sobretudo, a cumplicidade das supostas violações de direitos humanos recai sobre os órgãos institucionais nicaraguenses, como os poderes legislativo e judiciário, além das forças armadas.
Na última quinta-feira (27/12), a Organização dos Estados Americanos promoveu uma sessão extraordinária, para discutir a crise no país centro-americano. O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, fez uso do artigo 20 da Carta Democrática Interamericana, para convocar a reunião, ao alegar alteração constitucional com grave ruptura democrática. A principal punição seria a suspensão de Manágua ao bloco.
Durante a audiência, a diplomacia venezuelana criticou a convocação da reunião extraordinária e acusou a OEA de usar “táticas” para “agredir e desestabilizar o governo legítimo e constitucional da Nicarágua”. O posicionamento de Caracas é compreensível, considerando que também enfrenta fortes críticas em relação à ditadura do presidente Nicolás Maduro e por ser um financiador de Manágua, por meio dos petrodólares.
Já a diplomacia brasileira lamentou “a quebra da institucionalidade democrática”, sustentou que um nova eleição poderia solucionar a crise e lembrou da morte da estudante brasileira de Medicina Raynéia Gabrielle, durante as manifestações antigoverno, em julho passado.
Para a primeira vice-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – um dos dois órgão autônomos da OEA –, Esmeralda Arosemena, o governo do ditador Daniel Ortega cometeu “crime de lesa humanidade”, por conta dos assassinatos e desaparecimentos forçados ocorridos desde abril deste ano. Ela sinalizou que a Organização das Nações Unidas (ONU) poderia levar o caso ao Tribunal Penal Internacional.
Enquanto que a OEA depende da aprovação dos países-membros, a CIDH pode emitir recomendações, investigar e fazer denúncias ante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que avalia se aceita ou não as acusações contra os Estados-membros e os julga.
Entre as ONGs que tiveram suspensas a sua personalidade jurídica está o Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh), que vem denunciando as violações de direitos humanos cometidas por grupos militares e paramilitares pró-governo. Essa entidade classificou o feito como um “ato perverso” do regime Ortega-Murillo e uma “vergonhosa manobra” por parte do legislativo, que acatou o pedido do governo. A Nicarágua é governada pelo casal Daniel Ortega e Rosario Murillo, vice-presidente e primeira-dama.
No último dia 22 de dezembro, o canal “100% Noticias” informou que a polícia havia detido o diretor Miguel Mora e “sequestrado” a diretora-executiva Lucía Pineda. Duas horas após, ela foi colocada em liberdade. Já o apresentador Joseph Hernández estaria desaparecido desde então. Jornalistas do canal “Confidencial” teriam sido, supostamente, agredidos, quando reclamaram da abordagem dos agentes.
A expulsão do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (GIEI) da OEA aconteceu à véspera da apresentação de um relatório de avaliação sobre as denúncias de direitos humanos no país. O governo tenta conter a crise, silenciando e perseguindo seus acusadores.
Em meados deste 2018, médicos foram demitidos sob alegação de apoiarem os manifestos contra o governo e por terem atendido os feridos nas ações de repressão, segundo alguns jornais.
A crise na Nicarágua teve início em 18 de abril deste ano, contra a decisão do governo de tentar promover uma reforma da previdência. Após os primeiros protestos, a medida foi suspensa. Mesmo assim, não foi suficiente para contornar a indignação da população, que quer a renúncia do casal presidencial.
Ortega voltou ao poder em 2007 e governa o país há quase 12 anos. Seus mandatos são marcados por suspeitas de patrimonialismo, corrupção, fraudes e controle sobre os demais poderes republicanos. Em 2016, foi candidato novamente, graças a uma liminar e a decisões da suprema corte que tiraram do jogo político os adversários. Desde 2011, quando se reelegeu, foi tachado de “presidente inconstitucional”. Para seus críticos, o país é comandado por uma “dinastia familiar”.
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