Quarta-feira, 29 de outubro de 2025 Informação atualizada em 29/10/2025, às 13h35 Com efetivo de 2,5 mil agentes, operação nos complexos do ...
Quarta-feira, 29 de outubro de 2025
Informação atualizada em 29/10/2025, às 13h35
Com efetivo de 2,5 mil agentes, operação nos complexos do Alemão e da Penha deixou mais de 100 mortos e já é considerada a mais letal da história do estado
Imagem: Eusébio Gomes - TV Brasil
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| Esses corpos resgatados ainda não faziam parte da estatística oficial |
Operação Contenção
Ao menos 119 pessoas morreram durante megaoperação policial ocorrida nos complexos do Alemão e da Penha, ambos na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, nessa terça-feira (28/10). Essa já é considerada a ação mais letal da história do estado fluminense, que ‘celebrou’ de um jeito estranho o feriado de Finados – a ser comemorado no próximo dia 2 de novembro.
Do total de óbitos, quatro são de policiais em serviço, sendo dois militares e mais dois civis. A contagem geral de mortes vai aumentar, tendo em vista que mais corpos de suspeitos estão sendo removidos desde a madrugada, por seus familiares, em áreas de mata desses conjuntos de favelas e que ainda não foram inseridos nas estatísticas oficiais. Ainda não há informação se os demais falecidos seriam todos criminosos ou não.
O balanço parcial divulgado pelo governo fluminense, na tarde de ontem (28), registrava 64 mortos. Os dados atuais mostram que há 115 presos supostamente ligados à facção Comando Vermelho, além da apreensão de 118 armas e fuzis e ‘grande quantidade de drogas ainda em contabilização’.
Na batizada de Operação Contenção, foram utilizados dois helicópteros, 32 blindados terrestres, 12 veículos de demolição, além de quantitativos não divulgados de drones e de ambulâncias para atuar no resgate de baleados.
Essa megaoperação foi planejada com 60 dias de antecedência e teve como objetivo capturar 51 traficantes, em cumprimento de ordem judicial expedida pela 42ª Vara Criminal da Capital – ligada ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) –, e é fruto de uma investigação de mais de um ano.
Segundo o Palácio Guanabara, sede do Poder Executivo fluminense, a incursão policial aconteceu no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635 – popularmente chamada de ADPF das Favelas –, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), e conta com o apoio do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ).
“(...) A ação conta com o apoio do Ministério Público Estadual e cumpre todas as medidas determinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito da ADPF 635, como o uso de câmeras operacionais corporais e apoio de ambulâncias na região”, informou o governo estadual.
Para o secretário de Estado de Polícia Civil do Rio de Janeiro, delegado Felipe Curi, as únicas vítimas seriam os quatro policiais mortos, e reafirmou que a operação se baseou numa investigação de mais de um ano. Também explicou que os suspeitos que aparecem em vídeos somente de cueca ou de sunga teriam tirado as fardas e as roupas camufladas ainda nas matas.
Ao que parece, esse foi o ‘presentaço’ que o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL-RJ), deu à população fluminense em pleno Dia do Servidor Público. O ponto facultativo do funcionalismo já tinha sido transferido para a próxima sexta-feira (31).
‘Doces ou travessuras?’. Embora o Halloween – festejado no dia 31 de outubro – não seja uma celebração oficial brasileira, entre ‘caveirões’ e banho de sangue a ‘Cidade Maravilhosa’ testemunhou um dia de terror bastante realista, com direito à violência e sentimento de medo por parte da população.
Ao menos 79 ônibus foram utilizados como barricadas por bandidos em protesto à incursão policial. A prática também busca dispersar agentes para facilitar a fuga de lideranças. Algumas das principais vias do município foram fechadas por segurança, como a Linha Amarela – que interliga a Zona Norte à Zona Sudoeste –, ou bloqueadas, como a Estrada Grajaú-Jacarepaguá, uma pista perto do Aeroporto Galeão, na Ilha do Governador, entre outras.
No início da tarde de ontem (28), o município do Rio de Janeiro entrou em estágio 2, por causa da megaoperação policial e das reações de narcotraficantes contra o transporte urbano. A escala vai de 1 a 5 e é usada em situações de atenção e/ou de emergência. Na manhã desta quarta-feira (29), a capital fluminense voltou ao estágio 1, o que indica aparente normalidade, apesar do receio da população de sair de casa.
Reações à operação policial
A ação de ontem (28) foi classificada como ‘chacina’ por 28 organizações de direitos humanos, entre elas a Anistia Internacional, Instituto Papo Reto do Complexo do Alemão, Redes da Maré, Observatório de Favelas, Grupo Tortura Nunca Mais RJ, Instituto Sou da Paz etc.
“A perda massiva de vidas reitera o padrão de letalidade que caracteriza a gestão de Cláudio Castro, governador que detém o título de responsável por quatro das cinco operações mais letais da história do Rio de Janeiro, superando seus próprios recordes anteriores registrados no Jacarezinho (2021) e na Vila Cruzeiro (2022). O que o governador Cláudio Castro classificou hoje como a maior operação da história do Rio de Janeiro é, na verdade, uma matança produzida pelo Estado brasileiro”, criticaram essas entidades em trecho de nota pública.
“Ao longo dos quase 40 anos de vigência da Constituição Federal, o que se viu nas favelas fluminenses foi a consolidação de uma política de segurança baseada no uso da força e da morte, travestida de ‘guerra’ ou ‘resistência à criminalidade’. Trata-se de uma atuação seletiva, dirigida contra populações negras e empobrecidas, que tem no sangue seu instrumento de controle e dominação”, continuaram essas organizações.
O Escritório de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), na Suíça, se disse ‘horrorizado’ com a letalidade policial decorrente da referida operação nos dois conjuntos de favelas cariocas. A instituição cobrou o ‘investigações rápidas e eficazes’ e o compromisso do Brasil com os direitos humanos.
O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) falou ter acompanhado ‘com preocupação’ a citada operação policial e destacou que ‘o enfrentamento ao crime organizado deve ser conduzido com base em inteligência, planejamento estratégico e, sobretudo, na preservação da vida’.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro expressou ‘solidariedade às famílias das pessoas mortas e a todos os moradores e agentes públicos impactados’ e acrescentou que a população pode denunciar eventuais violações de direitos humanos decorrentes da operação por meio do telefone 129, pelo aplicativo Defensoria RJ ou pessoalmente.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro expressou ‘solidariedade às famílias das pessoas mortas e a todos os moradores e agentes públicos impactados’ e acrescentou que a população pode denunciar eventuais violações de direitos humanos decorrentes da operação por meio do telefone 129, pelo aplicativo Defensoria RJ ou pessoalmente.
A Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ) repudiou ‘veemente’ a batida policial e alertou para ‘a preservação da ordem não pode, e jamais poderá, justificar a supressão de garantias constitucionais nem a perda de vidas humanas’.
“Embora se reconheça a necessidade da atuação firme, diligente e coordenada do Estado na preservação da ordem pública, conforme dispõe o artigo 144 da Constituição da República de 1988, não se pode admitir que tais operações se desenvolvam de forma a colocar em risco a vida, a integridade e as liberdades fundamentais da população carioca e fluminense, como lamentavelmente se verificou, com restrições arbitrárias ao direito de circulação e ao livre exercício das atividades cotidianas”, comentou a OAB-RJ em trecho de nota.
Imagem: Redes Sociais - Qualidade da foto melhorada com inteligência artificial
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| Operação Contenção aconteceu em duas favelas dominadas pela mesma facção |
Já o MPRJ informou estar monitorando os desdobramentos da ação policial e que atua para ‘assegurar o cumprimento das diretrizes fixadas’ pela suprema corte, que ‘disciplina operações policiais em comunidades do estado’ por meio da ADPF das Favelas.
E o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) acionou o STF por conta da operação policial. O ministro Alexandre de Moraes – que assumiu temporariamente a ADPF 635 devido à aposentadoria do ministro Luís Barroso – determinou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestasse sobre o assunto em até 24 horas.
Disputa de narrativas entre governos estadual e federal
O Palácio do Planalto foi ligeiro ao reagir às críticas do governador Cláudio Castro (PL-RJ) de que o Rio de Janeiro estaria ‘sozinho nessa guerra’. Em coletiva de imprensa, o mandatário fluminense disse ter solicitado apoio federal com o empréstimo de veículos blindados das Forças Armadas, mas que a ajuda fora negada.
De fato, foi feito um pedido em janeiro deste ano ao Ministério da Defesa. Em parecer técnico, a Advocacia-Geral da União (AGU) o vetou, alegando que o governo federal só poderia fornecer os blindados por meio de uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO), o que dependeria de um decreto presidencial. Na prática, isso significa que o estado fluminense precisaria reconhecer sua incapacidade para lidar com a crise na segurança pública. Nenhum dos lados quer dar o braço a torcer, ainda mais em véspera de ano eleitoral.
Segundo o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, ‘nenhum pedido do governador Cláudio Castro até agora foi negado’, e reforçou as inúmeras operações por parte da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para coibir e combater o ingresso de armas, de drogas e tráfico de pessoas em rodovias federais.
Em meio a essa disputa de narrativas entre governos estadual e federal, o ministro Ricardo Lewandowski também manifestou pesar pela morte dos policiais e das vítimas inocentes da Operação Contenção.
Nas redes sociais, houve reações às falas de Cláudio Castro. Vários internautas recordaram que ele foi um dos governadores a se opor à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública patrocinada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP). O texto prevê ações de inteligência, compartilhamento de informações entre estados e a União e a centralização de algumas investigações na Polícia Federal.
“(...) Ficou mais uma vez evidente a necessidade de articulação entre forças de segurança no combate ao crime organizado. E o fortalecimento da Polícia Federal e outras forças federais no planejamento e na execução das ações conjuntas, não apenas fornecendo armas, equipamentos e tropas para operações decididas isoladamente por governos locais”, opinou a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann.
O governo fluminense também solicitou ao MJSP 10 novas vagas em presídios federais para transferir criminosos de alta periculosidade. Mas para o pedido ser atendido, depende de autorização judicial.
Também houve críticas a Lula (PT-SP), especialmente por sua recente polêmica. Durante uma viagem à Indonésia na semana passada, ele disse que traficantes de drogas também ‘são vítimas dos usuários’.
Uso político da crise
A pauta que tomará conta dos debates prévios às eleições gerais de 2026 não será a economia, apesar de sua relevada importância. Dessa vez, os discursos estarão concentrados em segurança pública, especialmente a guerra contra facções e milícias, e a defesa da soberania nacional por conta de sanções aplicadas pelo governo norte-americano contra autoridades brasileiras.
Vale destacar que o governo Cláudio Castro tem apelado ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que decrete o Comando Vermelho como organização terrorista. Isso vai de encontro ao que pensa o governo federal, que teme que essa classificação sirva de desculpas para interferências externas que atentem contra a soberania brasileira.
No último dia 15 de outubro, a Secretaria de Estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro entregou ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) um relatório no qual detalha a primeira etapa de um plano de retomada de territórios dominados pelo crime organizado. O documento foi elaborado no âmbito da ADPF 635.
No próximo dia 11 de dezembro, haverá uma audiência pública no MPRJ para tratar da ADPF das Favelas, e, muito provavelmente, estará no debate as consequências da megaoperação dessa terça-feira (28).
Em análise preliminar, pode-se concluir que a Operação Contenção não conseguiu conter a criminalidade no Rio de Janeiro. Apenas antecipou o Dia de Finados, cujos fantasmas da verdade demonstram que estatísticas nem sempre são sinônimos de sucesso e que por mais que incursões de enfrentamento a organizações criminosas seja necessário, não têm sido suficientes e configuram meras ações ‘enxuga-gelo’.



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