Domingo, 19 de outubro de 2025 Audiência pública discutirá implementação de medidas para reduzir letalidade policial; governo fluminense ent...
Domingo, 19 de outubro de 2025
Audiência pública discutirá implementação de medidas para reduzir letalidade policial; governo fluminense entrega plano de retomada de territórios controlados pelo crime organizado
Imagem: Fernando Frazão - Agência Brasil - Arquivo
![]() |
| Polícia do RJ faz operação após UPPs do Cantagalo e Pavão-pavãozinho, na Zona Sul do Rio, terem sido atacadas em 2016 |
Audiência pública
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) realizará uma audiência pública das 9h às 18h, do próximo dia 11 de dezembro, para discutir a implementação de medidas para reduzir a letalidade policial em operações nas periferias, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635, popularmente chamada de ADPF das Favelas. O evento ocorrerá na sede do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), no Centro da cidade do Rio de Janeiro, e terá por objetivo coletar dados, informações e relatos da população dessas localidades.
Coincidentemente, o encontro acontecerá na semana de comemorações pelo Dia Internacional dos Direitos Humanos - celebrado em 10 de dezembro - e será dividido em cinco blocos:
* Bloco 1: Perícias: das 10h às 11h30.
* Bloco 2: Câmeras corporais: das 11h30 às 13h.
* Bloco 3: Procedimentos em operações: das 14h às 15h30.
* Bloco 4: Plano de retomada de territórios: das 15h30 às 16h30.
* Bloco 5: Temas gerais: das 16h30 às 18h.
Para quem não puder assistir presencialmente, a audiência pública será transmitida em tempo real no canal do CNMP no YouTube.
O evento será uma oportunidade de diálogo entre representantes da área de segurança pública estadual, do Poder Judiciário e da sociedade civil organizada, mas não pode se resumir a uma mera agenda política protocolar sem um compromisso real com mudanças.
A reunião pública pretende discutir o dilema em torno da ADPF das Favelas: reduzir a violência policial sem comprometer o combate ao crime organizado, exigindo, portanto, uma política pública de direitos humanos em prol das populações locais.
Retomada de territórios
No último dia 15 de outubro, a Secretaria de Estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro entregou um relatório ao CNMP, detalhando a primeira etapa de um plano para retomar territórios controlados por narcotraficantes e milicianos, além de outras medidas exigidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para quando houver operações policiais em comunidades.
A [re]ocupação deve começar por comunidades da região de Jacarepaguá, na nova Zona Sudoeste do Rio, tais como: Rio das Pedras, Muzema e Gardênia Azul.
O relatório também aborda outras determinações da suprema corte, tais como:
* A disponibilização de ambulâncias, algumas delas blindadas, para socorrer vítimas de balas perdidas durante operações policiais.
* Instalação de câmeras corporais nos uniformes policiais e em viaturas.
* Atendimento gratuito em saúde mental para policiais e agentes penitenciários.
* Monitoramento de mortes decorrentes de intervenção do Estado.
Vale lembrar que a ADPF 635 foi ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), em 19 de novembro de 2019, motivada pelo elevado número de baixas de agentes em operações em favelas e para coibir a letalidade policial e eventuais abusos de autoridade contra os moradores.
Em 2019, 1.810 pessoas foram mortas em decorrência de intervenções policiais no estado fluminense, um aumento de 18% em relação ao ano anterior, conforme dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP). Diversas estatísticas e estudos demonstram que as maioria das vítimas é indivíduos negros e/ou pardos. Isso em todo o país.
Durante a pandemia de coronavírus (covid-19), por exemplo, a ADPF 635 limitou a ação da polícia no Rio de Janeiro, o que resultou em críticas por, supostamente, restringir o enfrentamento a traficantes e milicianos, enquanto cresciam os roubos de cargas e de veículos no estado.
Crime organizado utiliza terrorismo como mecanismo de controle social
Em maio deste ano, autoridades brasileiras de segurança pública rejeitaram uma proposta do governo norte-americano de classificar o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) como organizações terroristas. A alegação foi de que essas facções não se enquadrariam em tal denominação no sistema legal brasileiro, “uma vez que suas atividades não têm motivação ideológica, mas são voltadas para o lucro de atividades ilícitas”.
A verdade é que se trata de uma justificativa de caráter político, porque essas e outras gangues mudaram seu modus operandi nos últimos anos, inclusive estendendo sua atuação para outros países, e têm usado o terrorismo como mecanismo de controle social, por exemplo:
* Sequestro de ônibus para utilizá-los como barricadas, no intuito de atrasar o ingresso de policiais em comunidades durante operações.
* Incêndio de ônibus.
* Proibição de serviços de transportes por aplicativo nessas localidades.
* Extorsão a moradores e comerciantes com taxas de segurança e outras cobranças abusivas.
* Sobretaxa de produtos como água mineral, gás de cozinha, entre outros.
* Monopólio de serviços como internet e TV a cabo.
* Proibição de cultos de religiões de matriz africana.
Entre o final de 2024 e o início de 2025, vários moradores da Gardênia Azul, na Zona Sudoeste do Rio, foram expulsos de seus imóveis por traficantes, por não conseguirem comprovar que eram os proprietáiros. Além disso, os novos invasores estariam exigindo uma taxa mensal de R$ 250 para permitir que os donos de automóveis os estacionassem nas ruas.
Em abril deste ano, uma reportagem do RJ2, da TV Globo, revelou que milicianos estariam colocando portões em ruas da comunidade Rio das Pedras, também na Zona Sudoeste da “Cidade Maravilhosa”, transformando os logradouros em condomínios e cobrando dos moradores R$ 400 para fornecer a chave, além do pagamento mensal de R$ 50.
UPP: um fracasso na política de segurança pública
Resta saber se essa possível retomada de territórios será efetiva ou mais um espetáculo para “gringo ver”. Muitos cariocas, incluindo este jornalista, mantêm uma visão cética quanto a isso. Um misto de decepção e trauma por assim dizer.
Um dos maiores fracassos na política de segurança pública fluminense das últimas décadas se evidencia nas Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), criadas a partir de 2008 durante o governo do então governador Sérgio Cabral.
O objetivo era “vender” a imagem de uma cidade segura para turistas, enquanto o Rio de Janeiro se preparava para receber os Jogos Mundiais Militares, em 2011, a Copa do Mundo, em 2014, e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, em 2016.
As UPPs surgiram como modelo de policiamento comunitário e de proximidade em favelas com a promessa de uma solução “permanente” contra facções de drogas e milícias. Diversos fatores explicam seu fracasso, com destaque para o rombo nos cofres públicos do estado fluminense durante os governos de Sérgio Cabral e seu sucessor Luiz Fernando Pezão, comprometendo a continuidade do programa.
Um dos casos que marcou definitivamente os excessos praticados por policiais foi o desaparecimento forçado do pedreiro Amarildo de Souza, após ser abordado por agentes da UPP Rocinha, na Zona Sul do Rio, em julho de 2014.
Em novembro de 2024, 10 anos após o sumiço de Amarildo de Souza, o Executivo fluminense, comandado pelo governador Cláudio Castro, anunciou o fechamento de 13 Unidades de Polícia Pacificadoras, algumas foram extintas e outras fundidas, como parte de um plano de reestruturação e redistribuição de agentes de maneira estratégica. Com isso, reduziu-se drasticamente a presença das forças de segurança nas periferias. O estado chegou a ter 38 UPPs.
A verdade é que facções criminosas nunca deixaram, de fato, as favelas “pacificadas” ou em processo de pacificação, o que reforça a maquiagem social para impressionar gringos e iludir eleitores.
Desvios de conduta que desacreditam as políticas de segurança pública
Iniciativas de segurança pública no combate à criminalidade precisam ser tratadas como políticas de Estado, não de governo, o que talvez explique os constantes fracassos, porque todo governante quer criar algo novo para deixar sua marca e seu legado.
Câmeras corporais podem contribuir para inibir abusos de autoridade e o uso exagerado ou injustificado da violência em meio a ações policiais, mas isso, por si só, não garante que tais violações não ocorrerão. Outros fatores devem ser levados em conta, como a conduta e o caráter dos agentes, para o êxito na retomada de territórios.
Existem inúmeros exemplos de desvios de conduta, os quais são preocupantes, geram medo e desconfiança por parte da população e que não podem mais ser tratados como “casos isolados”. Vale a pena mencionar alguns:
* Em 2022, uma moradora da favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, procurou a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro para denunciar que sua casa tinha sido ocupada irregularmente por policiais militares por quase três meses. Na ocasião, foi relatado o sumiço de bijuterias, eletrodomésticos, roupas, lâmpadas, tomadas, portas de armários, entre outros objetos.
* Também em 2022, uma câmera escondida numa residência na Vila Aliança, em Bangu, Zona Oeste do Rio, flagrou policiais militares furtando carne, água de coco, perfume e caixa de som. O episódio é um dos mais vergonhosos na história da segurança pública fluminense. Os proprietários do imóvel decidiram colocar o aparelho de vigilância após outras 10 invasões e por encontrarem tudo revirado.
* Em 2017, a Polícia Civil fluminense investigava a suspeita de que policiais militares teriam, supostamente, dado carona a traficantes da Cidade Alta, em Cordovil, Zona Norte do Rio, num blindado, o popular Caveirão.
Ademais, é impossível citar todas as falhas, erros e eventuais delitos cometidos por maus policiais e o suposto nexo com o crime organizado. No entanto, é fundamental enfatizar a necessidade de se [re]conquistar a confiança da população e vê-la como aliada em vez de inimiga ou conivente com bandidos. O contrário também é válido.
Para além da continuidade desse ciclo vicioso de violências e violações, há também o grave prejuízo à imagem institucional. Quando um agente comete um crime, o foco da polêmica não é o policial fulano ou beltrano, mas a corporação. A reputação de toda uma categoria fica manchada por conta de alguns maus indivíduos.
As políticas públicas de segurança precisam estar atreladas a outras como as de saúde, educação, social e emprego. No entanto, para que o projeto se sustente e a verdadeira “pacificação” aconteça, é preciso haver formação continuada em direitos humanos para os agentes.


COMMENTS