Domingo, 19 de outubro de 2025 Novela terminou sem empolgar público, apesar de a vilã Odete Roitman ter, supostamente, sobrevivido ao tiro A...
Domingo, 19 de outubro de 2025
Novela terminou sem empolgar público, apesar de a vilã Odete Roitman ter, supostamente, sobrevivido ao tiro
A novela como narrativa de apelo social
Imagem: TV Globo - Print Screen - Qualidade da foto melhorada com inteligência artificial
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Momento em que Odete Roitman 2025 desperta na ambulância após o tiro |
O remake da novela Vale Tudo, da TV Globo, chegou ao fim nessa sexta-feira (17/10), com desfecho diferente da obra original. Na versão de 1988 – escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères –, Odete Roitman realmente morreu e conseguiu “prender” o público em torno do suspense de quem havia dado o tiro. Já na versão de 2025, de Manuela Dias, a personagem teria sobrevivido à tentativa de homicídio e forjado o próprio óbito para não ser presa pelos delitos que cometeu. Ainda assim, o último capítulo não foi capaz de empolgar os telespectadores.
Novelas podem ser um espelho da realidade, mas, também, instrumentos para desenvolver narrativas como bodes expiatórios. Num país como o Brasil, com elevados índices de corrupção e de criminalidade, isso serve como apelo social para compensar frustrações políticas e sociais e anseios por justiça ou vingança. Em vez disso, manteve-se o clichê da impunidade.
Em parte, o final do remake atendeu o desejo de telespectadores que se encantaram com a vilã. Por outro lado, esperava-se um último capítulo mais vibrante e mais emocionante e com algum recado do tipo que o crime não compensa.
Apesar disso, o novo enredo enviou mensagens subliminares para reforçar o paradigma da impunidade no Brasil e de que certos criminosos fingem doenças para lograr o benefício da prisão domiciliar. É o caso do personagem Marco Aurélio, interpretado por Alexandre Nero. Qualquer semelhança com a realidade pode não ser “apenas” mera coincidência.
Como diz a canção de abertura em ambas as versões e cantada por Gal Costa, “Brasil, mostra a tua!”, e mais uma vez se viu a face da impunidade em que vilões e golpistas se dão bem no final.
Vilã romantizada, mocinha invisibilizada
Para quem subestimava o potencial de Débora Bloch como vilã (foto), a atriz não só surpreendeu como também conquistou o coração do público e segurou a audiência. Como diria Odete Roitman, “não é de bom tom” julgar um livro pela capa. Ademais, cabe destacar que inúmeros telespectadores assistiram à nova versão motivados pelo êxito da trama anterior.
Além da aparente falta de sintonia entre alguns personagens de um mesmo núcleo do remake, Raquel Acioli, interpretada por Taís Araújo, foi completamente apagada e transformada em mera coadjuvante. Já na versão original, a personagem – vivida por Regina Duarte – teve fortes embates com a filha Maria de Fátima, interpretada por Glória Pires, era vista como uma heroína e dividia o protagonismo com a vilã, à época interpretada pela saudosa Beatriz Segall.
A escolha de uma mulher negra para viver uma empreendedora de sucesso na nova versão foi acertada, contudo, merecia ter sido melhor explorada, principalmente no âmbito do racismo, considerando que o enredo passou por vários ajustes para se adequar à contemporaneidade. Isso também geraria uma espécie de identidade e representatividade entre os espectadores.
Para um país em que cerca de 55% da população se declaram como negros ou pardos, conforme Censo 2022, e em que as estatísticas revelam que essas populações-alvo são as maiores vítimas de letalidade policial, de violência doméstica e das desigualdades sociais, o racismo estrutural continua a ser realidade.
A adaptação de Vale Tudo é um exemplo de como uma personagem, outrora coprotagonista, pode ser invisibilizada por sua própria autora ou até mesmo ser vítima de suposto racismo passivo-agressivo. No último capítulo, mesmo com o sucesso da empresa Paladar, a proprietária Raquel Acioli não foi destaque em matéria para uma revista, e sim o sócio Poliana, vivido por Matheus Nachtergaele.
Um ponto forte de Vale Tudo 2025 é o quanto uma vilã pode ser romantizada e uma mocinha silenciada. Para além das críticas, denota uma inversão de valores da sociedade. Mesmo sendo uma ficção, a novela tenta passar uma concepção de realidade.
As novelas da Globo sempre tiveram uma questão interessante. Em algum momento da trama, os personagens têm seu momento de destaque e de brilho, mesmo não sendo protagonistas. Isso contribui para valorizar os atores e até mesmo evitar certa ciumeira nos bastidores. É algo bem diferente dos dramas mexicanos, que se concentram nos principais e os demais são apenas elenco de apoio.
Suspense mal narrado pode induzir ao erro
Se para a emissora o sucesso do remake possa ser medido pela audiência e por receita publicitária, pode-se dizer que, para o público e para a crítica, a nova versão de Vale Tudo não teve o padrão Globo de qualidade. Mesmo com desfechos que algumas vezes contrariam a preferência dos telespectadores, os enredos das produções “globais” costumam ser bem desenvolvidos deixando mensagens claras ou sinalizando suspense.
A novela terminou na última sexta-feira (17), mas as polêmicas persistem. Nas redes sociais, o ator Alexandre Nero explicou que Odete Roitman morreu, de fato, e que as cenas visualizadas pelo personagem Freitas – interpretado por Luís Lobianco –, ajudando a vilã baleada, não teriam passado de delírio. E sustentou o fato de a mãe de seu ex-assistente, mencionada em vários capítulos, nunca ter aparecido na trama, porque havia falecido há anos.
Se, de fato, a Odete vivida por Débora Bloch foi assassinada, então o público que foi ao delírio por ela ter sobrevivido não conseguiu captar que havia um suspense. Isso pode ser mais uma falha autoral. Foi preciso que Nero, que integrou o elenco e teve uma visão do todo, “traduzisse” para os espectadores o desfecho da personagem.
Marcado por cansativos intervalos comerciais, o último capítulo da trama das 21 horas merecia um desfecho mais explicativo para questões que foram narradas superficialmente e que podem não ter sido bem compreendidas por todo o público. As críticas se intensificaram nas redes sociais. Até a cantora Alcione lamentou o final da novela durante um show neste fim de semana. No final das contas, o verdadeiro “vale tudo” foi pela audiência.
E isso não é opinião de telespectador decepcionado ou frustrado, mas de alguém que cresceu assistindo a novelas padrão Globo de qualidade e que já acompanhou obras-primas da teledramaturgia como Avenida Brasil, O Clone, Chocolate com Pimenta, A Próxima Vítima, Senhora do Destino, entre outras.
Se em 1988 a Globo exaltou um Brasil que clamava por justiça, em 2025 mostrou que a impunidade continua sendo o nosso maior folhetim. A versão primária da telenovela possui forte contexto histórico: o país tinha rompido com 21 anos de ditadura militar e no ano de estreia havia aprovado sua constituição, enquanto se prepara para a primeira eleição com voto direto em tempos de redemocratização.
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