Estados Unidos x Brasil: ingerência política versus contenção de danos diplomáticos

Terça-feira, 08 de julho de 2025 Em mais um momento de tensão entre os dois países, Trump critica processo penal contra Bolsonaro, e Lula re...

Terça-feira, 08 de julho de 2025

Em mais um momento de tensão entre os dois países, Trump critica processo penal contra Bolsonaro, e Lula rechaça interferência em assuntos internos do Brasil

Imagens: Trump - Redes Sociais / Lula e Bolsonaro - Marcelo Camargo - Agência Brasil /
Arte: Opinólogo
Embate entre Trump e Lula vai além do ideológico, pode ter interesses ainda não esclarecidos

Brics


O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, criticou o processo criminal no qual o ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro (PL-RJ) responde perante o Supremo Tribunal Federal (STF), por suposta tentativa de golpe de Estado. Em sua plataforma Truth Social, o mandatário norte-americano disse que a nação sul-americana estaria ‘fazendo uma coisa terrível’ contra seu colega e que acompanharia de perto essa ‘caça às bruxas’. A declaração foi feita nessa segunda-feira (7/7), num momento de visibilidade política, por conta do encontro dos países dos Brics no Rio de Janeiro, com a presença de vários líderes estrangeiros e cobertura jornalística internacional. Durante coletiva de imprensa de encerramento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) rebateu a intromissão, ao destacar a soberania brasileira e recomendou que seu homólogo estadunidense ‘não palpite sobre nossa vida’.

Foi o mesmo modus operandi adotado, no último dia 28 de junho, para atacar o processo judicial contra o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que responde perante a Justiça local por suspeita de corrupção. Trump disse que os Estados Unidos não tolerariam a continuidade do julgamento contra seu aliado. Suas declarações surtiram efeito, e a audiência foi adiada.

Aqui no Brasil, esse tipo de intimidação não surtirá efeito num Poder Judiciário unido contra ameaças externas e internas, mas deixa os simpatizantes políticos do ex-chefe de Estado brasileiro esperançosos de que o mito deles consiga reverter a condenação de inelegibilidade e concorra às eleições gerais de 2026.

Ainda nessa segunda-feira (7), o governante estadunidense também ameaçou sobretaxar nações que se alinhassem às ‘políticas antiamericanas’ dos Brics: “Qualquer país que se alinhar às políticas antiamericanas do Brics pagará uma tarifa adicional de 10%. Não haverá exceções a esta política. Obrigado pela atenção!” O bloco econômico que começou com cinco países – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – hoje conta com mais seis novos associados: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia, Indonésia e Irã.

“Um Presidente da República de um país do tamanho dos Estados Unidos ficar ameaçando o mundo através da internet não é correto. Ele precisa saber que o mundo mudou. Não queremos imperador. Nós somos países soberanos. Se ele achar que pode taxar, os países têm direito de taxar também. E é preciso que as pessoas leiam o significado da palavra soberania. Cada país é dono do seu nariz”, respondeu Lula a Trump.

‘Tratoraço’


As críticas de Donald Trump são mais um capítulo na frágil relação atual entre Estados Unidos e Brasil. E isso não vai mudar. É pura perda de tempo pensar que acontecerá algum tipo de milagre. De um lado está a ingerência do governo estadunidense em questões internas que só competem ao gigante sul-americano. Do outro está o Itamaraty tentando conter eventuais danos diplomáticos, como se o Brasil tivesse feito algo de errado e não quer deixar um vilão imaturo zangado.

“O que nós defendemos é avançar no diálogo, como está sendo feito, e buscar mais alternativas para fortalecer o comércio exterior recíproco. Os Estados Unidos só têm a ganhar com o Brasil. Nós somos um parceiro muito importante, e os Estados Unidos também são um parceiro importante. É o maior investidor no Brasil”, apaziguou o vice-presidente Geraldo Alckmin, que também é o ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

Não adianta tentar argumentar, porque Trump não está preocupado com a verdade, e sim estabelecer sua própria retórica com base em ideologias e sua mentalidade, aproveitando-se da institucionalidade do Estado para impor sua visão de mundo, com seu ‘tratoraço’ que inclui ameaças, chantagens, intimidação e coação financeira. Recorde-se ao vexame que foi durante a reunião entre o líder republicano e o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, em maio deste ano, ao acusar falsamente os sul-africanos de genocídio contra brancos.

Nos Estados Unidos, vigora atualmente uma espécie de democracia relativa, com conceitos distorcidos e deturpados. Basta ver a perseguição do governo contra a Universidade de Harvard, por conta das críticas de docentes e alunos – muitos destes de outros países –, em relação à carnificina de Israel contra palestinos na Faixa de Gaza. Para minar as receitas da instituição, Trump cortou verbas e proibiu o ingresso de estudantes estrangeiros.

Enquanto o Brasil tem dado exemplo ao mundo de resistência contra os golpistas do 8 de janeiro de 2023, Trump ‘passou pano’ para os invasores do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, que eram contra a vitória de Joe Biden, e os perdoou. 

Bolsonaro


O que não está sendo levado em consideração, tampouco debatido entre os principais comentaristas de opinião brasileiros, é o que Jair Bolsonaro, direta ou indiretamente – por meio de seu filho Eduardo Bolsonaro ou de assessores –, poderia estar supostamente prometendo a Donald Trump em troca de apoio político. Afinal de contas, é o respaldo do homem mais poderoso do mundo e isso jamais sairia de graça. Note-se o acordo firmado entre Estados Unidos e Ucrânia, em abril passado, de exploração de minerais raros da nação europeia, como forma de recuperar parte dos bilhões que Washington patrocinou na guerra contra a Rússia.

É de conhecimento público que o deputado federal Eduardo Bolsonaro – filho 03 do ex-presidente – se autoexilou nos Estados Unidos, em fevereiro passado, e anunciou no mês seguinte que estava se licenciando do mandato. Além de alimentar a bolha ideológica com a falsa narrativa de perseguição política, poderia estar, supostamente, pressionando o governo norte-americano a criar instabilidade e perseguição contra o Brasil.

Eduardo Bolsonaro é investigado pela Polícia Federal por supostamente incitar o governo norte-americano a aplicar sanções contra representantes do STF e também da Procuradoria-Geral da República (PGR). Nessa quinta-feira (8), a mais alta corte de Justiça do Brasil aceitou pedido dos investigadores para prorrogar por 60 dias o inquérito por coação no curso do processo, tentativa de obstrução à justiça e tentativa de abolição violenta ao Estado democrático de direito.

Celebrar esse tipo de situação é de uma mediocridade inenarrável. Governos vêm e vão. Trump não é eterno, tampouco Bolsonaro ou Lula. Contudo, eventuais consequências políticas, comerciais e diplomáticas decorrentes de ataques e interferências na democracia brasileira podem ser desastrosas para o país a médio e longo prazo.

Enquanto Lula aparenta interesse de manter um nível mínimo de normalidade nas relações internacionais, Trump não parece se preocupar com isso e faz tudo para reafirmar esse comportamento impetuoso e muito distante do que se espera de um presidente da república. E isso tem a ver com Bolsonaro, mas vai muito além dele.

Para justificar os ataques contra a democracia brasileira, aos menos ante a opinião pública, busca-se desacreditá-la sob a falácia de que Bolsonaro seria vítima de uma suposta ditadura. As investidas de Trump, por meio da máquina estatal, estão nas discussões acerca de uma possível aplicação da Lei Magnitsky contra indivíduos estrangeiros corruptos e acusados de graves violações de direitos humanos, com sanções ao ministro Alexandre de Moraes, entre outros magistrados da suprema corte, ademais de políticos. As punições podem incluir proibição de visto para os Estados Unidos, congelamento de contas bancárias, entre outros dispositivos.

Questões em jogo


Em maio deste ano, representantes do governo estadunidenses se reuniram com os do governo brasileiro para instar que o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) fossem denominados como organizações terroristas por estarem presentes em 12 estados norte-americanos. A proposta foi rechaçada sob alegação de que essas facções criminosas não se enquadrariam em tal denominação no sistema penal brasileiro ‘uma vez que suas atividades não têm motivação ideológica, mas são voltadas para o lucro de atividades ilícitas’. No fundo, existe o temor de que essa nova classificação poderia servir de desculpa para Washington interferir politicamente no Brasil ou até mesmo realizar bombardeios, como os que ocorrem no Oriente Médio, por exemplo.

O problema na pauta acima é que o governo brasileiro não quer tachar essas organizações como terroristas, mas também não consegue combatê-las de fato, e isso agrega os estados, que têm prerrogativa imediata de enfrentamento ao crime organizado. O fracasso dessa luta tem permitido que essas facções se expandam para outros países. Mas isso é pauta para outro momento.

Diplomatas norte-americanos ligados ao Partido Republicano, diretamente ligados ao núcleo político de Trump, estariam articulando informalmente com interlocutores brasileiros o uso irrestrito da Base Aérea de Natal, no Rio Grande do Norte, e o Aeroporto de Fernando de Noronha, em Pernambuco, publicou o portal Defesanet. Segundo a reportagem, estaria sendo alegado ‘direito histórico de retorno operacional’, por conta de investimentos feitos pelos Estados Unidos ao Brasil durante a II Guerra Mundial e também depois em meio à Guerra Fria. Seria o mesmo tipo de argumento imposto ao governo panamenho para ter acesso irrestrito ao Canal do Panamá, na América Central.

Existem inúmeras questões em jogo que podem explicar ou justificar o interesse de Trump no Brasil: sem este gigante sul-americano, o Brics perderia um importante aliado na construção do multilateralismo; a China ficaria sem um de seus principais parceiros comerciais na América Latina e teria seu crescimento reduzido; o risco desse bloco econômico criar moeda própria ou alternativas ao dólar estadunidense com transações financeiras que não precisassem passar pelo Swift, sistema interbancário global no qual tem os norte-americanos no controle e que é usado para aplicar sanções e isolar financeiramente adversários políticos e ideológicos mundo afora.

Nessa segunda-feira (7), os governos brasileiro e chinês assinaram um acordo de elaboração de estudo para a construção de uma ferrovia que conecte o porto de Ilhéus, na Bahia, ao de Chancai, no Peru. O país vizinho faz parte da Nova Rota da Seda, iniciativa lançada por Pequim com investimentos em infraestrutura no exterior para melhorar a escoação das exportações e importações.

Em novembro do ano passado, uma estatal chinesa adquiriu uma mina de estanho no Amazonas por R$ 2 bilhões. Paralelamente a isso, a nação oriental firmou contrato com o governo boliviano para construir duas fábricas de lítio, mineral essencial para a produção de baterias de carros elétricos.

No atual momento, o Brasil está reivindicando à Organização das Nações Unidas (ONU) o direito sobre uma ilha submersa do tamanho da Espanha, a 1,2 mil quilômetros da costa do Rio Grande do Sul e a cinco mil metros de profundidade. Segundo estudos preliminares, o solo pode estar rico em minerais raros que podem ser utilizados para construir baterias de carros elétricos, semicondutores, turbinas eólicas, equipamentos médicos etc.

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Estados Unidos x Brasil: ingerência política versus contenção de danos diplomáticos
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