Domingo, 12 de outubro de 2025 Mais de 12 mil favelas brasileiras passam a ter código de endereçamento postal, mas em várias delas os morado...
Domingo, 12 de outubro de 2025
Mais de 12 mil favelas brasileiras passam a ter código de endereçamento postal, mas em várias delas os moradores continuam sem direito de receber encomendas
Imagem: Tânia Rêgo - Agência Brasil - Arquivo
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Imagem aérea do Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio, em 2024 |
CEP para Todos, PAC e inclusão social
Todas as 12.348 favelas e comunidades urbanas do Brasil agora contam com um Código de Endereçamento Postal (CEP) geral. O anúncio foi feito pelo governo federal durante o ‘Seminário da Moradia ao Território: reconhecendo as periferias brasileiras’, na última quarta-feira (8/10).
A iniciativa, inserida no programa CEP para Todos, faz parte do programa Periferia Viva, que foi lançado em novembro de 2024 numa parceria entre o Ministério das Cidades, os Correios e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Mais do que um número, ter CEP é dignidade para as pessoas que estão nas periferias e não tinham acesso ao básico, como levar seus filhos a um posto de saúde próximo de casa. Essa é mais uma dívida histórica que está sendo reparada pelo governo federal”, comentou o ministro das Cidades, Jader Filho.
O Censo 2022 – realizado pelo IBGE – revelou que 16 milhões de cidadãos vivem em periferias espalhadas por 656 municípios e que esses moradores representam 8,1% da população brasileira. Os dados também mostraram que 72,9% dos habitantes da nação sul-americana são negros e pardos.
“Mais que a satisfação de ver esse trabalho concretizado, é uma honra testemunhar a política pública chegando a quem realmente precisa. Estamos reparando um erro que demorou mais de 500 anos para ser corrigido e não vamos parar. O CEP é só uma parte da nossa proposta de inclusão para garantir dignidade às pessoas que moram nas favelas”, declarou o secretário Nacional de Periferias, Guilherme Simões.
A primeira meta do CEP para Todos foi implementada com mais de um ano de antecedência, tendo em vista que a previsão para ser concluída era até o final de 2026. A segunda meta será fazer um mapeamento de ruas, becos e vielas. A implantação desses CEPs começará nos 59 territórios do Periferia Viva, que somam mais de 300 favelas e comunidades urbanas. Ao menos 765 códigos postais já foram criados no país, sendo 279 em comunidades do Complexo da Maré, Zona Norte do Rio.
A terceira e última etapa será a de criar agências ou postos físicos dos Correios para 100 favelas, conforme as particularidades e dificuldades enfrentadas pelos moradores. O programa Periferia Viva está vinculado ao Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, que prevê a urbanização e regularização fundiária de regiões de periferia.
Imagem: Gabriel Oliveira - Ministério das Cidades
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O CEP facilita o trabalho dos entregadores e na regularização fundiária |
Vale destacar que em várias comunidades cada rua já tem seu próprio código postal. A nova medida busca corrigir certas distorções, facilitar o trabalho de carteiros e demais entregadores e a regularizar imóveis perante os órgãos competentes.
Em 2019, o então prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), sancionou a Lei Municipal nº 6.618/2019, autorizando o uso de estabelecimentos geridos pela própria administração, como unidades de ensino, postos de saúde e vilas olímpicas, por exemplo, em favelas cariocas, para o recebimento de encomendas por parte dos moradores. Não se tem notícia de que, de fato, isso tenha sido implementado ou se ficou só no ‘se’, tendo em vista que no Brasil algumas leis pegam, outras não.
A origem da favela
O termo ‘favela’ começou a ser utilizado pelo IBGE em 1950. Em 1991, foi substituído por ‘aglomerações subnormais’. Já no último censo, optou-se por adotar ‘comunidades urbanas’, cuja denominação foi discutida com movimentos sociais, órgãos governamentais e comunidades acadêmicas.
O termo ‘favela’ se remete ao nome de uma planta que causava irritação em contato com a pele. Com a demolição do Cortiço Cabeça de Porco nas vizinhas da Central do Brasil, no Centro do Rio, por parte do então prefeito Cândido Barata Ribeiro, no final do século XIX – pós Lei Áurea e início do Brasil republicano –, muitos moradores ocuparam uma região próxima com essa vasta vegetação. O local passou a ser chamado de Morro da Previdência e, posteriormente, Morro da Favela, tornando-se a primeira favela do país e ocupada por ex-escravos e ex-combatentes da Guerra de Canudos.
O Dia da Favela é celebrado em 4 de novembro. A escolha da data se deve ao fato de que a expressão ‘favela’ foi usada pela primeira vez num documento da polícia, de forma pejorativa, em 1900, para se referir ao Morro da Providência.
Favela: resistência e violência
A favela surgiu como um movimento de sobrevivência e de resistência na busca por moradia, numa época que o Rio de Janeiro era a capital do Brasil. Mais de 120 anos se passaram, e ela continua sendo um marco de resistência popular por inúmeros motivos.
A favela nasceu como resultado do abandono e da negligência do Estado para com essas populações vulneráveis, que, desde então, continuam sofrendo das mesmas mazelas sociais decorrentes da incapacidade ou morosidade na implementação de políticas públicas sociais e de inclusão social que visem garantir mais acesso à saúde, à educação, ao saneamento básico, à habitação, à segurança pública e a demais elementos que configurem a possibilidade de se ter uma vida digna.
Para além disso, a favela é o berço da marginalização social. Os moradores estão largados à própria sorte e continuam resistindo ao abandono estatal em meio ao poderio de narcotraficantes e milicianos no controle de territórios. Não é preciso se aprofundar, aqui, sobre extorsões praticadas contra essas populações, como taxa de segurança, sobrepreço em produtos como água mineral, gás de cozinha, entre outros, e a oferta quase que exclusiva de serviços clandestinos como internet, TV a cabo e mototáxi, por exemplo. Tudo isso é amplamente noticiado na imprensa e pode ser encontrado na web sem que haja necessidade de se comprovar o que está sendo dito.
Um código de endereçamento postal não resolverá os problemas das favelas, quando muitos habitantes sequer conseguem receber encomendas ou mercadorias, porque as transportadoras não atendem determinadas localidades dominadas pelo poder paralelo. A dignidade dessas populações vai muito além de um CEP. É constrangedor quando um morador tenta pegar um táxi ou um serviço de transporte por aplicativo, e o motorista informa que não entra na comunidade ou então rejeita a corrida.
Em certas comunidades controladas por organizações criminosas, há relatos de que os moradores são obrigados a pagar uma taxa para receberem uma carta ou encomenda na qual deveria ser de direito, porque os Correios – serviço oficial de entrega –, simplesmente, não conseguem chegar até seus reais destinatários. Era o caso, por exemplo, da Muzema, na Zona Sudoeste do Rio, cujo ‘monopólio’ do serviço estava nas mãos de milicianos, conforme reportagem do portal G1 em 2022. Naquele mesmo ano, o Ministério Público Federal (MPF) havia instaurado um inquérito para apurar se a estatal teria, supostamente, firmado algum tipo de acordo com um grupo paramilitar de Guaratiba, Zona Oeste, para terceirizar as entregas, publicou o Metrópoles. Entretanto, não se sabe o andamento dessas investigações.
O fato de ruas de periferias lograrem novos códigos postais, individuais ou coletivos, não significa que a favela esteja vencendo, e sim que a criminalidade ganha novos CEPs no Brasil, porque não se resolve os efeitos da exclusão social sem antes solucionar as causas. Não dá nem para classificar isso como medida paliativa. No fundo, busca-se induzir essas populações vítimas a uma falsa sensação de pertencimento.
Convém salientar que o enfrentamento direto à violência e à criminalidade é atribuição dos governos distrital e estaduais. Ao governo federal cabe colaborar com esses entes e combater organizações criminosas em delitos interestaduais e transnacionais em regiões fronteiriças e em estradas e rodovias federais.
No mais, e para quem acredita, resta rezar neste domingo (12) à Nossa Senhora Aparecida – padroeira do Brasil –, em seu dia, por proteção e intercessão divina contra a opressão sofrida diuturnamente por mais de 16 milhões de moradores das mais de 12 mil favelas brasileiras.
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