Domingo, 21 de setembro de 2025 Pesquisas de opinião mostram que mais da metade dos entrevistados é contra anistiar os réus do 8 de janeiro ...
Domingo, 21 de setembro de 2025
Pesquisas de opinião mostram que mais da metade dos entrevistados é contra anistiar os réus do 8 de janeiro de 2023; em protesto a duas propostas de emenda constitucional que tramitam no Congresso, milhares de brasileiros foram às ruas protestar contra os textos
Imagem: Tânia Rêgo - Agência Brasil
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Em Copacabana, assim como em outras partes do Brasil, o mantra foi “pacificação” |
Fábrica de crises políticas
Sempre que o Brasil enfrenta uma grave crise política, com reflexos econômicos, sociais e jurídicos, surgem algumas forças do mal, oportunistas e travestidas de mensageiras da paz, que se colocam como interlocutoras de um processo de “pacificação” do país para problemas que a própria classe política criou e/ou continua instigando. E desta vez, não seria diferente. O motivo gira em torno de uma proposta de emenda constitucional (PEC) para anistiar golpistas de extrema direita que vandalizaram e/ou orquestraram plano de invasão à sede dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, em Brasília.
Essa crise política foi gestada ainda durante o governo de Jair Bolsonaro (PL-RJ), com discursos voltados à militância para desacreditar as urnas eletrônicas e a lisura do processo eleitoral, além de críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a alguns de seus juízes. Durante o desfile de Independência de 2021, chamou Alexandre de Moraes de “canalha” e fez ameaças ao então presidente da corte, ministro Luiz Fux, para que “enquadrasse” o colega de magistratura. Ademais, não reconheceu a derrota nas eleições de 2022 para Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) e deixou o país dias antes de concluir o mandato, como se fosse um foragido da lei, para não ter de passar a faixa presidencial ao sucessor.
Mesmo diante das evidências, Luiz Fux optou por votar contra a condenação de Jair Bolsonaro (PL-RJ), contrariando os demais ministros num discurso cansativo que durou mais de 12 horas. Como disse recentemente o presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto, em entrevista à Rádio CBN, “o Fux lavou nossa alma”. O posicionamento do magistrado tem servido de base para que o governo norte-americano continue ameaçando juízes brasileiros que votaram a favor de punir o ex-capitão do Exército.
Encurralados diante do julgamento dos golpistas e do 8 de janeiro de 2023, a tática bolsonarista foi fabricar nova crise política ou agravar a já existente. Seu filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP) se licenciou em março deste ano do mandato de deputado federal pelo período de 120 dias, alegando suposta perseguição, e num autoexílio viajou para os Estados Unidos, onde permanece desde então. As investidas do parlamentar, que desenvolveu toda uma narrativa barata de falso vitimismo, incitaram o governo do presidente norte-americano, Donald Trump, a sobretaxar em 50% vários produtos brasileiros vendidos naquele país, além da aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes.
Em diferentes ocasiões, o filho 03 de Jair Bolsonaro deixou explícito que o único modo para que os Estados Unidos retirassem as sanções contra o Brasil e algumas de suas autoridades seria anistiando o pai. Cria-se o problema para depois “vender” a solução”.
Impunidade x Generosidade
Fomentada por congressistas bolsonaristas, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Anistia tem como pano de fundo indutar o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no último dia 11 de setembro, para que possa ser novamente elegível e concorrer às eleições gerais de 2026.
Recentemente, o deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP) – relator da PEC da Anistia na Câmara – se reuniu com seu homólogo Aécio Neves (PSDB-MG) e com o ex-presidente Michel Temer (MDB-SP) para discutir o projeto e rebatizá-lo de “PEC da Dosimetria”, com foco na redução da pena dos acusados.
Durante entrevista à Globonews, o parlamentar tucano defendeu que o “Brasil precisa de pacificação e todos devem contribuir (…), longe da radicalização e do ódio, porque o Brasil é maior que Lula e Bolsonaro”. Eufemizou, ao alegar que “não é um gesto de impunidade, mas um gesto de generosidade” com o país.
Durante o referido julgamento, o ministro Alexandre de Moraes já tinha deixado claro que não haveria anistia, perdão nem qualquer induto para os réus. No entanto, a Câmara dos Deputados, sob o comando do deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB), vem tentando atropelar decisões judiciais em retaliação ao fato de que vários parlamentares da base governista tenham votado contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) das Prerrogativas – chamada popularmente de “PEC da Blindagem” ou “PEC da Bandidagem” –, aprovada em dois turnos na casa legislativa e que será discutida no Senado.
Após a má repercussão sobre a votação em plenário que aprovou a “PEC da Blindagem”, alguns deputados federais que votaram favoráveis já se mostraram arrependidos, mudaram o voto e/ou estão tentando reverter a pauta perante a mais alta corte de justiça do país. Faltaram astúcia e bom senso por parte deles, que, no fundo, sabem que poderá haver uma resposta forte nas urnas ano que vem. Alguns políticos começaram a se dar conta que caíram em sua própria arapuca e egocentrismo.
Antes de continuar, é válido recordar que alguns dias após o fatídico desfile de 7 de setembro de 2021, Jair Bolsonaro (PL-RJ) mandou um avião para buscar o ex-presidente Michel Temer (MDB-SP) até o Distrito Federal, para ajudá-lo a lidar com a crise que ele mesmo criou com o Poder Judiciário. O emedebista, aproveitando-se da influência pelo fato de ter indicado Alexandre de Moraes à suprema corte, sugeriu a divulgação de um “manifestou de pacificação” e intermediou um telefonema entre ambos na tentativa de acalmar os ânimos.
As tensões envolvendo Jair Bolsonaro (PL-SP) eram uma espécie de “morde e assopra”. Quando ele via que as coisas estavam se complicando para o lado dele ou de algum dos filhos, falava sobre “pacificação”, mas não tardava muito para voltar ao “normal” e gerar novamente um clima de animosidade entre os poderes republicanos.
Aliás, diga-se de passagem, a única coisa boa que Michel Temer (MDB-SP) fez foi colocar Alexandre de Moraes no STF, que tem defendido de modo intransigente a democracia brasileira contra investidas golpistas internas e estrangeiras.
“Com o supremo, com tudo”, de novo?
Na última quarta-feira (17/9), a Folha de São Paulo publicou que o centrão teria fechado um suposto acordo com o STF para que Jair Bolsonaro (PL-RJ) pudesse permanecer em prisão domiciliar e não ser transferido para um presídio, em troca de não anistiar os réus. É impossível não parafrasear o ex-senador Romero Jucá, que durante as investigações da Operação Lava-Jato sugeriu um acordo nacional, “com o supremo, com tudo”, para barrá-la, e o resultado prático para abafar um dos maiores escândalos de corrupção do país, com extensões no exterior, foi o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff (PT-MG) em 2016.
Mais do que um intento de preservar prerrogativas funcionais, o que se vê é um confronto de forças entre os poderes Legislativo e Judiciário em meio à inconstitucionalidade e à desarmonia entre as partes.
O Brasil tem por clichê não punir golpes de Estado e/ou suas tentativas, ao tentar transformar tais crimes em atos análogos ou meras infrações, deturpando por si só a gravidade da situação. E como bem disse Alexandre de Moraes sobre o 8 de janeiro de 2023, “não houve um domingo no parque”, mas um ataque à democracia.
Durante a Idade Média, a Igreja Católica aplicava diferentes tipos de indulgência conforme os pecados e/ou classe social. Os pobres expiavam suas más ações com castigos corporais, como ficar de joelho diante do milho ou se açoitar, por exemplo, enquanto que os ricos se redimiam mediante pagamento em dinheiro e/ou bens. Não se pode subornar a Deus, mas aos homens, sim.
O que certos parlamentares chamam de “pacificação” é, na verdade, um tipo de indulgência para os pecados na política. Entretanto, isso não trará paz ao país, tendo em vista que há um grande número de brasileiros contra a anistia, principalmente quem é de esquerda, o que poderia gerar protestos contra abençoar criminosos com a impunidade ou “generosidade”, nas palavras de Aécio Neves (PSDB-MG).
Rejeição à anistia
Imagem: Paulo Pinto - Agência Brasil
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Mais do que um protesto contra a anistia, o ato também pode ser visto como uma celebração à condenação de Jair Bolsonaro |
Pesquisa Quaest, divulgada na terça-feira (16), mostrou que 41% dos consultados se opõem à anistia, enquanto que outros 36%, a favor. A enquete ouviu 2.004 pessoas entre os dias 12 e 14 deste mês, e a margem de erro é de 2% para mais ou para menos.
Uma consulta de opinião realizada por AtlasIntel/Bloomberg, publicada na última quarta-feira (17), que revela que 57,3% dos brasileiros são contra a anistia, enquanto que outros 40,6%, favoráveis. Ao todo, foram entrevistadas 7.291 pessoas entre os dias 10 e 14 de setembro, e a margem de erro é de um por cento para mais ou para menos.
E para reforçar a necessidade de condenar os réus do 8 de janeiro, milhares de brasileiros foram às ruas em diversas capitais do país, neste domingo (21), para protestar contra a “PEC da Blindagem” e “PEC da Anistia”. Vários artistas se juntaram a esse movimento liderado por movimentos sociais e partidos políticos de esquerda e fizeram shows, entre eles Daniela Mercury, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, entre outros.
No Rio de Janeiro (foto 1), por exemplo, a manifestação ocorreu a meados da tarde deste domingo (21) na orla de Copacabana, Zona Sul do Rio. Em São Paulo (foto 2), o evento aconteceu na Avenida Paulista, local que já é tradição para atos políticos tanto da esquerda quanto da direita.
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