Sábado, 21 de junho de 2025 Revista salvadorenha narra detalhes das supostas perseguição política e persecução criminal contra opositores do...
Sábado, 21 de junho de 2025
Revista salvadorenha narra detalhes das supostas perseguição política e persecução criminal contra opositores do presidente Nayib Bukele
Imagem: Marvin Recinos - El Faro
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A advogada Ruth López chega a uma audiência de custódia vestida de branco e segurando uma Bíblia |
Por cada preso político em El Salvador, outras quatro pessoas fogem do país em meio à perseguição política e persecução criminal do governo do presidente Nayib Bukele. É o que diz a edição de junho de 2025 da revista El Faro, que narra em detalhes o drama da pequena nação centro-americana. As vítimas são políticos de oposição, jornalistas, defensores dos direitos humanos, sindicalistas, ambientalistas, juízes, promotores de justiça e advogados, por exemplo.
Os dados são do Comitê de Familiares de Presos e Perseguidos Políticos (Cofappes). A entidade surgiu em 2021 devido à captura de ex-funcionários por parte das forças de segurança do regime ditatorial. Segundo essa organização, em março de 2025 El Salvador contabilizava ao menos 28 presos políticos e 92 perseguidos políticos.
Um dos casos recentes e mais emblemáticos é o da advogada Ruth Eleonora López, presa desde o último dia 18 de maio. Ela comanda a Unidade Anticorrupção e Justiça da organização de direitos humanos Cristosal, uma das mais notáveis da nação latino-americana. Seu paradeiro foi ocultado de familiares e advogados por pelo menos 12 horas. Vítima de desaparecimento forçado, só pôde conversar com familiares e advogados 36 horas após a captura.
“Não vão me calar. Quero um julgamento público. Que me concedam um julgamento público, o povo merece saber [a verdade]. Quem não deve não teme!”, gritava a dirigente de Cristosal para um grupo de repórteres, que cobria na porta de um fórum (foto 1), em El Salvador, uma audiência de custódia no último dia 4 de junho.
Inicialmente, o Ministério Público havia publicado nas redes sociais que Ruth López estava detida por peculato. Posteriormente, foi acusada de suposto enriquecimento ilícito. Em dezembro de 2024, foi classificada pelo canal britânico BBC como uma das 100 mulheres mais influentes do mundo. Ela apresentou dossiês contra supostas violações de direitos humanos e de casos de corrupção ocorridos na gestão do presidente Nayib Bukele tanto no referido órgão judicial – controlado pelo governo – quanto em entrevistas à imprensa local e estrangeira.
Imagem: Cristosal - El Faro
Em março deste ano, Ruth López participou de uma marcha (foto 2) para a entrega de 150 mil assinaturas nas quais pediam a revogação de uma lei que reabria exploração de minérios metálicos, algo que estava proibido desde 2017. A proposta exploratória foi elaborada pelo governo Bukele e aprovada por congressistas em dezembro de 2024. Críticos à medida temem eventual contaminação do meio ambiente, principalmente dos rios, o que afetaria o consumo de água e também a pesca.
Ainda segundo El Faro, a ditadura salvadorenha adota um modus operandi: cria-se um perfil acerca do investigado e seus parentes e desconstrói-se a reputação desses indivíduos com ‘fake news’ sobre delitos, para que não haja questionamentos por parte da população. O processo de captura consiste na chegada de agentes à residência das vítimas, em veículos não caracterizados e também sem uniforme, com alguma desculpa esfarrapada de que a pessoa está sendo denunciada por algum incidente ou de que eles estariam perdidos na vizinhança e precisavam de alguma informação. Quando o alvo atende, recebe voz de prisão.
Com Ruth López, que foi capturada por volta das 23h locais do dia 18 de maio, a alegação foi de que teria desviado verba de um antigo emprego há mais de 10 anos. Para o periódico britânico The Economist, a prisão da ativista reafirma a face cruel e autocrática do regime de Nayib Bukele, que não gostou das críticas e ameaçou jornalistas, durante uma conferência de imprensa, se o chamassem de ‘ditador’, publicou a emissora alemã DW.
Nos últimos três anos, o governo de Nayib Bukele prendeu 85 mil pessoas sob alegação de narcotráfico, associação criminosa, entre outros delitos. Inúmeros familiares dos detidos negam que eles tenham qualquer tipo de vínculo com facções criminosas.
Atualmente, El Salvador, com cerca de 6,5 milhões de habitantes, contabiliza cerca de 130 mil detentos em suas megapenitenciárias, tornando-se a maior população carcerária do mundo em relação à taxa de habitantes. São cerca de dois mil detentos por cada 100 mil habitantes. A nação está se tornando uma espécie de Alcatraz – uma antiga e famosa prisão norte-americana – por receber cada vez mais imigrantes presos e deportados dos Estados Unidos em meio à política repressiva contra a imigração ilegal adotada pelo presidente Donald Trump contra supostos delinquentes e gangues.
A trajetória política de Bukele é marcada por complexidades e controvérsias. Elegeu-se prefeito de El Salvador, em 2014, pela Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), um partido de esquerda. Em 2019, ganhou como presidente pela legenda direitista Novas Ideias, tendo sido reeleito com 80% dos votos, em 2024, por esta última. Perante o mundo, vende a imagem de suposta tolerância zero contra a criminalidade, ao exercer um governo considerado autoritário por seus críticos.
Em 2015, El Salvador era considerado o país mais violento do mundo, com 106,3 homicídios por cada 100 mil habitantes, divulgou a revista Piauí. Em 2022, já na gestão Bukele, esse índice teve uma redução drástica de 7,8 assassinatos por cada 100 mil habitantes. E em 2023, 1,7 homicídio por cada 100 mil habitantes.
Entre outras supostas vítimas da repressão ditatorial de Bukele estão juízes que se opuseram a certas medidas autoritárias durante a pandemia de coronavírus e um promotor de justiça que investigava um suposto acordo entre ele, por meio da FMLN, e facções criminosas para que pudesse vencer as eleições. Em maio deste ano, El Faro publicou em vídeo uma longa entrevista feita com um narcotraficante, na qual narra em detalhes o suposto trato e como foi protegido pelo governo.
É importante frisar que El Faro é um dos mais importantes veículos noticiosos e investigativos de El Salvador, tendo surgido em 1998. Para continuar fazendo jornalismo, teve de transferir seu escritório para a vizinha Costa Rica, em 2023, por conta de ameaças contra repórteres por parte de agentes governamentais e políticos, ademais de espionagem, campanhas difamatórias e assédio a anunciantes para que não contratassem mais publicidade nesse periódico.
Em julho de 2021, o jornalista mexicano Daniel Lizárraga, então editor-chefe de El Faro, deixou o país centro-americano às pressas após ter suas autorizações de trabalho e de residência negadas, de acordo com a DW. Dois meses antes, o portal latino-americano já havia alertado de que o governo de Bukele, supostamente, estaria fabricando uma falsa acusação de sonegação fiscal contra a revista.
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