Quarta-feira, 22 de novembro de 2023 O candidato da extrema direita Javier Milei é o vencedor do segundo turno eleitoral e assumirá a presid...
Quarta-feira, 22 de novembro de 2023
O candidato da extrema direita Javier Milei é o vencedor do segundo turno eleitoral e assumirá a presidência no dia 10 de dezembro
Imagens: Peronismo - Divulgação / “Perronismo” - Perfil Argentina /
Arte: OPINÓLOGO - Diego Francisco
As eleições argentinas foram marcadas por disputa de memória afetiva |
Os argentinos decidiram romper com o peronismo e substituí-lo pelo “perronismo” – ou também “perrismo” ou “perroismo” –, ao eleger o candidato da extrema direita Javier Milei, do partido “La Libertad Avança” (“A Liberdade Avança”, em tradução literal), durante o segundo turno das eleições ocorrido no último domingo (19/11). A campanha eleitoral dos dois finalistas foi marcada por disputas de narrativas e de memórias afetivas. De um lado, o derrotado Sergio Massa, do partido “Unión por la Patria” (“União pela Pátria”, em tradução literal), atual ministro da economia, candidato do peronismo, cuja ideologia suprapartidária guiou o coração dos eleitores por décadas e consagrava a esquerda, de tal modo a fazer da política uma “religião”. Do outro, o anarcocapitalista que dizia pedir conselhos para o espírito do cão falecido por meio de um médium. O trocadilho é uma alusão à palavra “perro”, que em espanhol significa “cachorro”, e é feito primeiramente por OPINÓLOGO.
A lembrança de Evita e Juan Domingo Perón não foi suficiente para competir com o suposto espírito de um mastim inglês e seus clones fofinhos. Milei não focou somente os jovens, mas, também, nos amantes de animais, ao construir toda uma narrativa que denotava amor pelos bichos e saudade, tendo feito quatro cópias de seu cão Conan, nome de personagem heroico.
Não é a primeira vez que um político utiliza de certos artifícios sobrenaturais para ganhar uma eleição ou comover a população. Em 2013, durante uma campanha eleitoral, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, disse ter conversado com o falecido Hugo Chávez em forma de passarinho e que ele o teria abençoado. O óbito havia ocorrido recentemente e ainda despertava algum tipo de sentimento de comoção nos venezuelanos. Nesse caso, houve também o apelo à memória afetiva.
Não é a primeira vez que um político utiliza de certos artifícios sobrenaturais para ganhar uma eleição ou comover a população. Em 2013, durante uma campanha eleitoral, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, disse ter conversado com o falecido Hugo Chávez em forma de passarinho e que ele o teria abençoado. O óbito havia ocorrido recentemente e ainda despertava algum tipo de sentimento de comoção nos venezuelanos. Nesse caso, houve também o apelo à memória afetiva.
Falta saber se o espírito de Conan guiará o novo mandatário argentino em decisões nas áreas administrativas, políticas, econômicas e diplomáticas. Pode parecer loucura, mas esse tipo de extravagância tentou mostrá-lo um ser humano comum ou “normal” como qualquer outro e que tem suas excentricidades. Os demais candidatos subestimaram isso.
Entre a cruz e a espada, os argentinos escolheram a segunda opção. Javier Milei logrou 55,69% dos votos válidos no segundo turno, tendo vencido em 20 das 23 províncias, enquanto Sergio Massa obteve 44,31%. Foi uma diferença grande, de 11,38%. A vitória do candidato direitista foi um voto de protesto à grave crise econômica que assola a Argentina por décadas, mesmo diante das promessas de privatizações de empresas públicas, de transferir para a iniciativa privada serviços como saúde, educação e previdência, enxugamento de ministérios, liberalização das armas, rompimento de relações comerciais e/ou diplomáticas com países tachados de “comunistas” como Brasil e China, entre outras questões que foram polemizadas no decorrer da campanha.
No Brasil, por exemplo, o êxito de Milei ainda repercute na imprensa, não por sua vitória em si, mas pelo risco de cortar relações com o Brasil. Após a vitória, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) parabenizou pelas redes sociais o povo argentino por realizar eleições democráticas, sem citar nominalmente o candidato ganhador. E é muito provável que ele não vá à posse do ultradireitista no próximo dia 10 de dezembro, por conta das ofensas do argentino durante a campanha, que se referiu a ele como “corrupto” e “comunista”.
Para o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, caberia a Javier Milei uma retratação em favor de Lula. O Palácio do Planalto precisa para de mendigar um pedido de desculpas, pois, muito provavelmente, isso não vai acontecer. A aproximação de Javier Milei com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) – que já foi convidado durante uma videochamada para a cerimônia de posse – contribui para acirrar o clima de animosidade entre o petista e o presidenciável do país vizinho. Essa proximidade por parte de Bolsonaro não é apenas ideológica. É também uma forma de sobrevivência política para não cair no ostracismo estando inelegível.
Um eventual rompimento nas relações comerciais prejudicaria ambos os lados. O principal destino das exportações argentinas é o Brasil. A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil no mundo, sendo o primeiro na América do Sul. As duas nações compartilham mais de dois mil quilômetros de fronteiras, ademais de acordos e alianças em blocos econômicos, entre eles o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e o Brics – formado inicialmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –, no qual o país vizinho ingressará formalmente a partir de 2024.
Milei também ofendeu o Papa Francisco durante a campanha, ao chamá-lo de “representante do maligno”, mas o pontífice usou sua humildade, passou por cima da mágoa e telefonou para o presidente eleito para felicitá-lo, tendo este lhe convidado para a posse. Isso não significa que Lula deva fazer o mesmo, até porque Javier Milei age como se ainda estivesse em campanha e não é alguém convencional nem pragmático.
A vitória de Javier Milei será utilizada por movimentos de direita para contrapor a esquerda na América Latina. Suas viagens antes da posse a Israel e aos Estados Unidos, por motivos supostamente espirituais, podem ser uma estratégia de se aproximar dos judeus – em meio à guerra contra o Hamas – em busca de investimentos e de um favoritismo de empresas, podendo competir com o Brasil, além de mostrar um distanciamento em relação aos governos sul-americanos de esquerda, aproveitando-se do posicionamento crítico do governo Lula a respeito do conflito no Oriente Médio que considera que ambos os lados cometem “terrorismo”.
Alguns chefes de Estado latino-americanos demonstraram incômodo com a vitória de Javier Milei. O presidente do México, Andres Manuel Lopez Obrador, classificou como um “gol contra” por parte dos argentinos. Já o colombiano Gustavo Petro disse que era “triste para a América Latina”.
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