Sábado, 26 de dezembro de 2020 Créditos fictícios junto à massa falida da UGF Imagem: Google Mapas / Saulo Bosco / Divulgação Antiga sede da...
Sábado, 26 de dezembro de 2020
Créditos fictícios junto à massa falida da UGF
Imagem: Google Mapas / Saulo Bosco / Divulgação
Antiga sede da Gama Filho, antes da deterioração patrimonial e das invasões e saques |
Sim, em tese detentor da massa falida, já que há uma disputa judicial por parte do grupo Galileo Educacional contra a Sociedade Universitária Gama Filho (SUGF), antiga mantenedora da universidade homônima, e a Associação Educacional São Paulo Apóstolo (Assespa), antiga mantenedora do extinto Centro Universitário da Cidade (UniverCidade), pelos bens das duas IES. Na prática, o grupo Galileo Educacional não passou de uma empresa de “papel”, já que não possui os patrimônios das duas instituições e acumula débitos financeiros de ambas. É sabido que existe outra ação judicial para tentar desvendar o paradeiro de R$ 100 milhões obtidos pela antiga gestão do grupo Galileo Educacional por meio de debêntures, em 2010, cujas garantias foram as mensalidades do curso de Medicina da UGF e que tiveram como principais investidores o Postalis, fundo de pensão dos Correios, e o Petros, fundo de pensão da Petrobras. Somados, os dois fundos de investimentos tiveram prejuízos de, aproximadamente, R$ 90 milhões, em valores corrigidos, com o descredenciamento da Gama Filho.
Imagem: MPRJ / Divulgação
Registros nos computadores da Assim Saúde da presença de Adenor dos Santos, em 20/10/2020 |
Organização criminosa sem organização
O pagamento de propina seria referente a contratos firmados entre o Instituto de Previdência e Assistência (Previ-Rio) – a previdência dos servidores da prefeitura carioca – e a Assim Saúde, em fevereiro de 2018, com renovação por mais dois anos em fevereiro de 2019. Segundo as investigações, os pagamentos da Previ-Rio ao grupo Assim Saúde chegaram a quase R$ 50,5 milhões, enquanto que as propinas aos membros da suposta quadrilha nesse esquema, entre R$ 1,55 milhão e R$ 2 milhões. No início, os facilitadores de contratos queriam suborno de 5% sobre o valor dos mesmos, no entanto, o então presidente do Conselho de Administração da Assim Saúde, Aziz Chidid Neto – falecido no último dia 14 de novembro –, havia dito que só poderia pagar 1%. Entre outubro de 2017 e janeiro de 2018, teria ocorrido uma reunião na RioTur, em que se definiu a porcentagem de 3%. Adenor Gonçalves dos Santos não participou do evento.
Em 2017, em data não precisa por um dos denunciantes que aceitou fazer delação premiada, Adenor Gonçalves dos Santos e mais três réus – o ex-senador Eduardo Lopes, o ex-delegado de polícia Fernando Alves Moraes e Magdiel Unglaub – participaram de um almoço num restaurante na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, com o então ex-presidente do Conselho de Administração da Assim Saúde, Aziz Chidid Neto. Eles, supostamente, propuseram facilitar a renovação de contratos entre a seguradora e a previdência dos servidores do Rio mediante o pagamento de um percentual, o qual foi rechaçado inicialmente pela empresa de saúde. O encontro ocorreu a convite do ex-delegado Fernando Moraes, que era amigo de longa data de Aziz Chidid, sob o pretexto de apresentá-lo a pessoas ligadas à administração Crivella que poderiam ajudar nas negociações contratuais.
Desde que foi gestada, em 2016, durante a campanha de Crivella para prefeito do Rio, a suposta organização criminosa enfrentou problemas de organização, a começar pela adesão de novos integrantes e, consequentemente, a divisão dos subornos. Ao tomar conhecimento que apenas uma parte da quadrilha recebia propina da Assim Saúde, o ex-delegado Fernando Alves Moraes ficou indignado e passou a pressionar para que o pagamento fosse direcionado a todos os integrantes, segundo as investigações. O presidente do Conselho de Administração do grupo Assim Saúde, Aziz Chidid Neto, então determinou ao CEO João Carlos Gonçalves Regado que buscasse um modo de pagar aos demais sem aumento de despesas para a seguradora.
Agressões físicas, ameaças e pânico
No dia 3 de maio de 2018, o acionista majoritário da massa falida do grupo Galileo Educacional, Adenor Gonçalves dos Santos, e o ex-delegado Fernando Moraes estiveram na Assim Saúde e pediram acesso aos contratos simulados que foram feitos para justificar o pagamento das propinas e os fotografaram.
Alguns dias depois, em nova reunião, o ex-delegado Fernando Moraes e o pastor Adenor dos Santos, supostamente, passaram a exigir que todos os pagamentos de propina fossem interrompidos, contanto que todos fossem beneficiados ou então ninguém receberia. Os dois foram informados que isso não seria possível, porque a Assim Saúde poderia ser processada por não realizar os pagamentos dos falsos contratos.
Por conta da negativa em paralisar os pagamentos, Adenor Gonçalves dos Santos agendou em seu escritório, na Avenida Rio Branco nº 99 – 11º andar, no Centro do Rio, um encontro com o CEO da Assim Saúde, João Carlos Gonçalves Regado, e que contou com a presença de outro executivo da seguradora, um homem identificado como Pacheco. Nessa tal reunião, já em andamento, o ex-delegado Fernando Moraes já chegou visivelmente alterado, apontando uma arma para João Carlos Gonçalves Regado, fazendo ameaças e agredindo fisicamente (com chutes e coronhadas) os dois funcionários da seguradora, para que resolvessem “de uma forma ou de outra” o pagamento do suborno.
As agressões por parte do ex-delegado Fernando Moraes provocaram pânico na Assim Saúde. Então, o presidente do Conselho de Administração Aziz Chidid Neto determinou a suspensão de todos os pagamentos de propina até que os membros da suposta organização criminosa se organizassem internamente. Depois da suspensão dos mesmos, alguns dias após, foi apresentado um novo rol de empresas que deveriam ser contratadas de forma fictícia para viabilizar o pagamento da propina a todos os integrantes.
Ao final de 2019, Adenor dos Santos e Rafael Alves – um dos principais investidores da campanha de Crivella e irmão do ex-presidente da RioTur Marcelo Alves – participaram de um encontro com o então CEO da Assim Saúde, João Carlos Gonçalves Regado, e, supostamente, disseram que o contrato da seguradora com a Previ-Rio seria “deles”, por terem contribuído com a campanha de Marcelo Crivella.
Vários dos envolvidos, citados ou não nesta reportagem, de acordo com os autos dos processos, se apresentavam como pessoas com grande influência junto ao prefeito Marcelo Crivella e que teriam poder para falar em nome dele.
Prisão
O dono da massa falida do grupo Galileo Educacional, Adenor Gonçalves dos Santos, foi preso na última terça-feira (22/12), com a deflagração da terceira etapa da Operação Hades. Na hierarquia criminal, ele não aparece como um dos cabeças da suposta quadrilha. Na mesma data, foi preso o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos-RJ).
Contra o mandatário carioca, que está impedido judicialmente de concluir o mandato que se encerra no próximo dia 31 de dezembro, pesa a acusação de suposto líder do chamado “QG da Propina” e que ele sabia e permitia os integrantes da quadrilha, vários dos quais não tinham cargo em seu governo, a atuarem em seu nome nas negociatas. O fato de ele ter entregado um celular que não usava durante a segunda fase da Operação Hades, em setembro passado, contribuiu para que os investigadores acreditassem em sua suposta participação no esquema.
A prisão de Adenor dos Santos não teve grande destaque na imprensa, porque não ligaram o nome à pessoa, ou seja, não o mencionaram ao referido grupo educacional. Ele foi levado à sede da Polinter, junto com o ex-delegado Fernando Moraes, por suspeita de coronavírus. Eles seriam ouvidos por videoconferência pela 2ª Câmara Criminal do TJRJ.
A prisão de Adenor dos Santos pode afetar a tentativa frustrada de reversão da decretação de falência empresarial e também colocar em xeque a credibilidade da listagem de credores apresentada à Justiça pelo grupo Galileo Educacional. O grupo mantenedor alega ter contraído dívidas de mais de R$ 260 milhões com as duas IES e que precisaria dos imóveis de ambas para quitar os débitos. Esses bens estão se deteriorando. No último dia 30 de novembro, o antigo campus da UGF, no bairro da Piedade, foi atingido por um incêndio.
Na internet, Adenor dos Santos se apresenta como um “profeta da fé”, empresário, jornalista e advogado, por exemplo.
Crivella ficou uma noite na cadeia, em Benfica, Zona Norte do Rio, e cumpre prisão domiciliar desde o dia 23 deste mês, com o uso de tornozeleira eletrônica. Ele e outros réus participaram de uma audiência de custódia no mesmo dia da prisão.
Início da Operação Hades
A Operação Hades foi deflagrada em março deste ano pelo Ministério Público fluminense (MPRJ) e pela Polícia Civil, a partir da delação premiada do doleiro Sérgio Mizray, na Operação Câmbio, Desligo, no intuito de apurar suposto esquema de corrupção dentro do governo de Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), com o pagamento de propina em contrato firmados entre a Prefeitura do Rio de Janeiro e empresas prestadoras de serviços e/ou fornecedoras de mercadorias.
Vários dos réus, supostamente, prometiam facilidades em acordos licitatórios, na renegociação de contatos e agilizar a quitação de débitos pendentes da gestão anterior mediante o pagamento de suborno, segundo os autos dos processos.
As investigações também apontam que a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), da qual Crivella é bispo licenciado, supostamente, teria sido usada para lavar o dinheiro de esquema de corrupção. Os investigadores identificaram movimentações financeiras atípicas de quase R$ 6 bilhões entre maio de 2018 e abril de 2019.
Ainda de acordo com as investigações, os supostos esquemas de corrupção durante os quatro anos da administração Crivella teriam arrecadado mais de R$ 50 milhões, conforme divulgado amplamente na imprensa.
Soa irônico que uma operação que tem um bispo licenciado e um pastor como réus tenha recebido o nome de Hades, deus do submundo na mitologia grega, o equivalente ao diabo numa analogia cristã.
Apenas para efeito de transparência com os leitores, OPINÓLOGO não entrou em contato com nenhum dos personagens citados na reportagem para ouvir seus posicionamentos, mas se coloca à disposição para eventual direito de resposta.
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