Quinta-feira, 22 de abril de 2021 Imagem: copiada da Wikipédia / Creative Commons No Brasil, o lema parece ser o do “cada um por si e Deus p...
Quinta-feira, 22 de abril de 2021
Imagem: copiada da Wikipédia / Creative Commons
O suposto descobrimento do Brasil – na verdade, a chegada dos portugueses ao país que recebeu nome de uma árvore – completa 521 anos nesta quinta-feira (22/4). A data de hoje, que deveria ser feriado, mas não é, propõe mais do que uma reflexão. É um convite à introspecção para que brasileiras e brasileiros olhem mais para dentro de si, como parte de um todo, numa análise denotativa e conotativa da realidade. É hora de redescobrir o país.
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No Brasil, o lema parece ser o do “cada um por si e Deus por todos” |
A corrupção tão banalizada e a pandemia de coronavírus (Covid-19) serviram para reforçar que o Brasil vive uma crise grave e profunda de desconfiança institucional, cuja população, em grande parte, não acredita no presidente da República, no Judiciário nem no Legislativo. Lamentavelmente, nenhum dos três Poderes, incluindo os Executivos estaduais e municipais, passa confiança. A crise de descrédito atinge a classe política e também outras instituições democráticas, como o Ministério Público, as Forças Armadas e as polícias, por exemplo. Esta nação chegou ao fundo do poço, quando vários profissionais de saúde foram flagrados fingindo aplicar a vacinação contra o Covid-19. Esta última deveria ser a categoria a passar mais credibilidade em meio ao caos e disputas políticas, ideológicas, governamentais e de ego. Nem as igrejas evangélicas e a imprensa parecem escapar desse sentimento cético.
Em pouco mais de 12 meses, o país testemunhou inúmeros acontecimentos e revelações, tais como: 1) cidadãos de bem furando a fila da vacina, o que torna impossível não comparar o país a um Titanic (foto) nos sentidos literal e figurado; 2) governos superfaturando gastos no enfrentamento à pandemia; 3) presidente que trata o sofrimento de milhões de famílias na pandemia como “mimimi”; 4) governo que insiste em tratamentos ineficazes contra o coronavírus; 5) o Ministério da Saúde deixa de ser uma referência de credibilidade no combate à pandemia, após tentar mudar a forma de contabilizar os casos e óbitos; 6) a Coronavac, apesar de ser a vacina mais aplicada no país e a que primeiramente foi utilizada, só possui registro de uso emergencial por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), enquanto que há outro imunizante que sequer foi aplicado ainda, mas já tem o registro definitivo; 7) líderes religiosos que desdenham do Covid-19, mas viajam ao exterior para se vacinarem; 8) governo que parece apoiar o desmatamento na Amazônia, ao exonerar do cargo de superintendente o delegado da Polícia Federal que investigava o ministro do Meio Ambiente por suposto favorecimento a madeireiros; 9) governo que exonera ou demite quem o fiscaliza e não se alinha ao seu discurso; 10) presidente que participa de atos antidemocráticos contra os demais Poderes; 11) parlamentares que instam a volta da ditadura; 12) jornalista que divulga “fake news” e cria animosidade entre os Poderes; 13) juiz que combina com investigadores ações judiciais para tirar da disputa presidencial candidato investigado por suspeitas de corrupção; 14) militares que orquestram postagens em redes sociais no intuito de intimidar o Supremo Tribunal Federal (STF); 15) prefeito que tenta multar quem der comida a moradores de rua. É o mesmo mandatário que, durante a campanha de 2016, falou que sentia vontade de vomitar ao sentir “cheiro de pobre”, mas foi reeleito em 2020; 16) investigado foragido em esquemas de lavagem de dinheiro que tem prisão domiciliar decretada; 17) vereador suspeito de assassinar o enteado liga para governador para pedir ajuda para evitar necropsia do corpo da vítima; 18) prefeito que aprova aumento do próprio salário em mais de 46%; 19) parlamentares que tentam invadir escolas e hospitais para promover um “show” de pirotecnia política para satisfazer seu eleitorado e por aí vai... Esse é um retrato do que resta do país. De uma coisa é certa: o Brasil parece sempre estar cavando o poço que já está fundo, e este nunca parece ser o bastante para uma nação que está em descrédito e desgraça.
A questão aqui não é se colocar contra os Poderes nem jogar um contra o outro, mas refletir sobre o lugar e a função de cada um deles na garantia da institucionalidade e do Estado democrático de direito e no combate ao coronavírus. Até esta quinta-feira (22), o país contabilizava 383.502 óbitos de Covid-19 e 14,2 milhões de casos confirmados desde que o primeiro caso foi registrado no Brasil, em fevereiro de 2020, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Aqui o inimigo não é só o vírus, mas também o negacionismo e a competição entre diferentes esferas do Executivo em medidas como “lockdown” e distanciamento social, por exemplo.
A demora na aquisição de vacinas contra o coronavírus, a insistência em medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento do vírus, a falta de oxigênio medicinal e de medicamentos para intubação de pacientes são alguns dos graves problemas enfrentados ao longo de mais de um ano. Tudo isso já era previsto, mas nada foi feito devidamente para ser evitado. O que leva à eventual responsabilização de inúmeros gestores de saúde pelo caos que o país se encontra.
Entre 2009 e 2010, o então primeiro-ministro espanhol José Luís Zapatero, num artigo publicado no jornal “El País”, disse que, com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil tinha deixado de ser o país do “se” para se tornar uma “realidade formidável”. No que depender dos eleitores que insistem em votar em políticos corruptos e que são seletivos ao idolatrar “bandidos de estimação”, o país nunca dará certo. O famoso “jeitinho brasileiro” predomina entre as instâncias de poder e na população em geral. O grande fenômeno do Brasil é que as leis não pegam, não funcionam. O respeito a elas é seletivo. O famoso libertador venezuelano Simón Bolívar dizia que “a América é ingovernável; aquele que serve a uma revolução ara o mar”.
A História do Brasil remonta para o fato de que o objetivo dos colonizadores portugueses nunca foi fazer do país uma colônia de povoamento, e sim de exploração de metais, pedras preciosas e de pau-brasil. Os exploradores seduziram os habitantes que já haviam descoberto o Brasil muito antes com algumas bugigangas como espelhos e chocalhos, por exemplo, em troca da força de trabalho. O Brasil foi transformado numa gigante colônia penal. A nação sul-americana também foi a última do Ocidente a abolir a escravidão.
No próximo dia 26 de abril completam 521 anos que foi realizada a primeira missa no Brasil. Resta rezar para que o país seja novamente descoberto. Ilha de Vera Cruz? Terra de Santa Cruz? Nem uma coisa nem outra. Tampouco “Brazil” com Z. Simplesmente “Brasil” com S de seriedade e de sucesso. Em tempos pandêmicos, os brasileiros precisam lidar não só com o “novo normal” – mudanças de hábitos no trabalho e nas relações sociais – como também com o “velho normal”, aquelas práticas cotidianas e sistêmicas que engessam o país e o colocam num eterno círculo vicioso, com suas graves mazelas e crises política, ética, moral e social.
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