Quarta-feira, 19 de setembro de 2018 Não mentirás ‘Porque não há nada oculto que não venha a ser revelado, e nada escondido que n...
Quarta-feira, 19 de setembro de 2018
Não mentirás
‘Porque não há nada oculto que não venha a ser revelado, e nada escondido que não venha a ser conhecido e trazido à luz’. (Lucas 8:17). Esse versículo bíblico deveria ser uma regra seguida na política, principalmente em período eleitoral. Ainda mais em tempos de que se descobre quase tudo graças à internet. Alguns candidatos têm sido confrontados por supostas mentiras veiculadas durante seus programas eleitorais.
O primeiro exemplo é o do ex-prefeito de São Paulo João Dória (PSDB-SP), que concorre a governador de São Paulo. De acordo com a ‘Rádio CBN’, a campanha do tucano usou imagens de escolas e creches dos Estados Unidos compradas de bancos de imagens, para mostrar supostas melhorias feitas na rede municipal de ensino. Os vídeos podem ser adquiridos em planos de US$ 8 a US$ 29 (entre R$ 33 e R$ 121, respectivamente, na cotação atual) no site Storyblocks. Na mesma peça publicitária aparecem médicos. O candidato disse que os estudantes seriam examinados no Dia D. Algumas dessas imagens podem ser adquiridas no site russo Ru.deposiphotos a preços que variam de US$ 39 a US$ 169 (entre R$ 162 e R$ 705, respectivamente). Em defesa, a assessoria de campanha do peessedebista informou não ver problema quanto a isso e que optou por banco de imagens, porque para as de crianças brasileiras dependeria autorização judicial.
O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) determinou que a coligação Acelera São Paulo e o candidato João Dória ‘deixem de veicular a propaganda que faz uso de trucagem e manipulação de dados, contrariando regra da Resolução TSE nº 23.551/2017’. A legislação proíbe o uso de computação gráfica e de meios publicitários que induzam, artificialmente, estados mentais, emocionais ou passivos junto à opinião pública. A multa por descumprimento é de R$ 10 mil. A Justiça Eleitoral atendeu o pedido de liminar feito pelo candidato a governador de São Paulo Luiz Marinho (PT-SP) e a coligação São Paulo de Trabalho e de Oportunidades.
Imagem: Facebook / Reprodução
Não é ‘fake news’. Aconteceu de fato. |
O segundo exemplo é o do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que concorre a presidente da República. Na peça de campanha postada nas redes sociais (foto) de um de seus filhos, o deputado federal Eduardo (PSL-SP), aparece uma mulher negra de boca fechada e uma narração feminina criticando o que chama de ‘vitimismo’ e dizendo que votaria no presidenciável. O vídeo pode ser comprado no site Shutterstock por apenas US$ 79 (o equivalente a R$ 330), publicou o portal ‘Catraca Livre’.
Mais do que meros erros de estratégia de comunicação, as duas campanhas supracitadas omitiram ao eleitorado a origem das imagens e tentaram criar falsas perspectivas de verdade. Em tempos que o brasileiro tem criado ranço de corrupção, de mentiras e de falsas promessas, isso é um tiro no pé aos candidatos. João Dória lida com o incômodo de parte dos eleitores por não haver terminado o mandato de prefeito e já estar pleiteando o governo estadual. Enquanto que Jair Bolsonaro é tachado por seus opositores como suposto racista, misógino, homofóbico, entre outros tantos adjetivos. Será que a campanha dele não poderia ter usado uma mulher negra brasileira? Ademais, soa estranho, quando o mesmo tenta colocar em xeque a credibilidade das urnas eletrônicas por suspeita de fraude.
Erros de estratégia
Os casos supracitados também podem ser considerados erros de estratégia. Contudo, é preciso destacar alguns outros ou, ao menos, os mais notáveis e importantes: a demora de o Partido dos Trabalhadores (PT) lançar oficialmente o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad como seu candidato a presidente. Tanto a legenda quanto a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) insistiram até o último momento na campanha de reeleição do ex-metalúrgico, o que foi negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Lula tentou criar juridicamente um fato novo, sua candidatura, para justificar a saída da prisão. Mesmo sabendo que não conseguiria e que o Judiciário brasileiro não seguiria as orientações das Nações Unidas (ONU) de deixa-lo disputar o pleito, ante seus simpatizantes logrou passar a imagem de que é supostamente perseguido. O petista já demonstrava interesse de que tentaria se reeleger, inclusive durante a ‘inauguração popular’ da transposição do rio São Francisco, na Paraíba, em maio do ano passado. Ele cumpre pena de 12 anos e um mês, em Curitiba (PR), por supostos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex, no Guarujá (SP).
Se por um lado a demora de o PT declarar oficialmente Fernando Haddad como substituto de Lula o poupou de ataques diretos dos adversários, por outro o tempo é demasiadamente curto para tentar (re)conquistar parte do eleitorado que já havia pensado em alternativas num cenário sem Lula e sem o PT. As recentes pesquisas de intenção de voto mostram o ex-mandatário paulistano com algo em torno de 19%. Para angariar votos, a tática utilizada é a de que Lula é Haddad e vice-versa, a mesma empregada na primeira campanha da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2010.
Cabe frisar que Haddad perdeu no primeiro turno a campanha de reeleição para prefeito de São Paulo, em 2016. A rejeição histórica para os paulistanos aconteceu na época em que a legenda estava sendo demonizada por conta dos escândalos de corrupção como a Lava-Jato e o Mensalão, por exemplo.
Se o impedimento a Lula para que se candidatasse novamente é ou não um ataque à democracia, só o tempo vai poder dizer. Por enquanto, ele responde por supostos delitos de corrupção e é investigado também como suposto proprietário de um sítio em Atibaia (SP).
Ataques à democracia
Qualquer ataque a um candidato que o impeça de concorrer – independente da ideologia – e às liberdades de expressão e de imprensa significa um ataque à democracia. E isso inclui o atentado sofrido pelo candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL-RJ), em Juiz de Fora (MG), no último dia 6 de setembro. Vítima de uma facada, ele foi socorrido e levado para a Santa Casa da Misericórdia de Juiz de Fora, onde fez uma cirurgia. Ele teve partes dos intestinos delgado e grosso afetadas e foi submetido a uma colostomia (procedimento em que se coloca uma bolsa externa acoplada à barriga para a saída das fezes) para não infeccionar a área. Depois, foi transferido para o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, onde ficou por alguns dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Em alguns meses, terá de passar por nova operação para reverter o procedimento. Por conta da tentativa de assassinato, familiares e simpatizantes dão por certa a vitória no primeiro turno, no próximo dia 7 de outubro, devido ao impacto no cenário eleitoral.
“Jair Bolsonaro está mais forte do que nunca e pronto para ser eleito presidente do Brasil no 1° turno. Deus acaba de nos dar mais um sinal de que o bem vencerá o mal”, sustentou o deputado estadual pelo Rio de Janeiro Flávio Bolsonaro (PSL), um dos filhos.
O suspeito do ataque foi identificado como Adélio Bispo de Oliveira, de 40 anos, tendo sido preso na ocasião. E segundo relatos da imprensa, conta com quatro advogados.
A Polícia Federal informou ter aberto inquérito para apurar o ocorrido. O candidato contava com escolta dos agentes dessa corporação na ocasião, porém não usava colete à prova de balas. Outros suspeitos estão sob investigação, embora seus nomes não tenham sido revelados até o momento.
O Escritório para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas (ACNUDH) condenou o ataque contra Jair Bolsonaro.
Há poucos dias, um grupo privado no facebook chamado ‘Mulheres Unidas contra Bolsonaro’, com mais de dois milhões de seguidoras, foi alvo de ataque cibernético. As administradoras tinham sido removidas e o nome do grupo alterado para ‘Mulheres Unidas com Bolsonaro’. Essas opositoras planejam protestos contra o candidato em várias capitais do país, no próximo dia 29 de setembro. A estupidez de supostos simpatizantes fez com dessem uma ‘fraquejada’, porque, na tentativa de desarticular um movimento feminista, a ação mostrou desespero e pode ter servido para uni-las mais. O grupo já foi recuperado pelas antigas donas. Alguns candidatos não tão de esquerda podem tentar pegar uma carona nessa onda de indignação na tentativa de ir ao segundo turno contra o ex-militar.
Bolsonaro lidera com, aproximadamente, 28% as pesquisas de intenções de voto, segundo o Ibope. Deveria ficar claro para ambas as partes que os eleitores ideológicos de cada lado não votariam no oposto. Para o dia seguinte (30), haverá manifestações favoráveis em algumas regiões do país.
Vale-tudo
Os fatos aqui relatados mostram certa falta de escrúpulos na disputa eleitoral. Não que isso seja uma surpresa, contudo revela um detalhe estarrecedor: a falta de amadurecimento político tanto por parte de certos candidatos quanto por parte de eleitores. Impera a política do vale-tudo ou quase tudo para ser eleito. A política, quando é ideológica e polarizada aos extremos e sem respeito às diferentes opiniões, se torna uma espécie de seita. O que muitos eleitores se olvidam é que em política não há amigos e inimigos, e sim aliados e adversários que constantemente alternam seus papeis.
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