Sexta-feira, 16 de maio de 2014 Imagem: Wikipédia / Reprodução / Creative Commons Culto afro-brasileiro Uma recente decisão da Justi...
Sexta-feira, 16 de maio de 2014
Imagem: Wikipédia / Reprodução / Creative Commons
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Culto afro-brasileiro |
Uma recente decisão da Justiça Federal do Rio (JFRJ) acaba de enfraquecer ainda mais a luta de segmentos de matrizes africanas contra a intolerância religiosa, por considerar que 'manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem religião'. Para o órgão, 'não conteriam traços de religião' como a existência de um texto base como a Bíblia e o Alcorão e de uma hierarquia de uma divindade a ser venerada. Tal decisão se trata de uma negativa recebida pelo Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF-RJ) que entrou com uma Ação Civil Pública para que o Google Brasil retirasse do You Tube vídeos de intolerância e discriminação religiosas. O vasto material contém alguns cultos promovidos pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), nos quais são exibidas práticas de exorcismo. Em um deles, que chega a ser sensacionalista, um homem, supostamente possuído por uma entidade, afirmou que seria homossexual e que já estaria com o vírus HIV. Em respeito aos leitores e para também não ser acusado de fazer apologia, os links em questão não serão divulgados.
“Ao invés de conceder a tutela jurisdicional adequada, diante das graves violações que estão ocorrendo, a decisão excluiu do âmbito de proteção judicial grupos e consciências religiosas, ferindo assim, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Universal Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, a Declaração Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Convicções e a Convenção Americana dos Direitos Humanos, assim como a Constituição Federal e a a Lei 12.288/10. Segundo esse Estatuto da Igualdade Racial, é dever do Poder Público proteger as religiões em face dos discursos de ódio, devendo adotar medidas necessárias para combater a intolerância com as religiões de matrizes africanas, coibindo a utilização de meios de comunicação para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas”, justificou o MPF-RJ.
Segundo o Ministério Público Federal, os vídeos supostamente incitavam o discurso de ódio ao vincular as doutrinas afro-brasileiras a práticas demoníacas, à bruxaria, às drogas e à Aids, além do pressuposto de que qualquer pessoa poderia fechar um terreiro onde essa modalidade de culto é praticada.
“Repudiamos veementemente a posição da Google Brasil, já que o MPF compreende que mensagens que transmitem discursos do ódio não são a verdadeira face do povo brasileiro e tampouco representam a liberdade religiosa no Brasil. Esses vídeos são exceções e como exceções merecem ser tratados. O povo brasileiro não comunga com a intolerância religiosa. Em sua esmagadora maioria, muito pelo contrário, ele cultiva o respeito religioso. Mesmo quem não compartilha das crenças religiosas alheias as respeita”, manifestou o procurador Jaime Mitropoulos.
Em defesa, o Google Brasil teria afirmado que o material seria um retrato fiel da liberdade religiosa no país.
O MPF-RJ já recorreu ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) contra a decisão de se manter os vídeos no ar, na última terça-feira (13/5). A ação surgiu a partir de uma denúncia feita pela Associação Nacional de Mídia Afro (ANMA) à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão. OPINÓLOGO tentou entrar em contato com a ONG denunciante, mas não achou nenhum telefone disponível no site.
Ainda segundo o representante do MPF-RJ, o juiz teria feito 'juízo singular' por desconsiderar que as religiões de matrizes africanas estão ancoradas em princípios como 'ancestralidade', 'senioridade' e 'oralidade', por exemplo.
Em rápida entrevista ao OPINÓLOGO, o presidente da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), babalaô Ivanir dos Santos, lamentou a decisão e a classificou de 'ignorante' e 'preconceituosa'. E lembrou que de início os hebreus não tinham manuscritos quando criaram sua religião. Somente depois que começou a ser documentada.
Na decisão, a JFRJ indeferiu também, em tutela antecipada, que o IP dos usuários que postaram os vídeos fossem fornecidos. Apenas para efeito de entendimento: IP é uma espécie de identidade virtual no qual permite localizar um internauta. Quando se acessa um site, por exemplo, os dados do usuário ficam registrados, inclusive as páginas visitadas e o tempo que permaneceu.
Não é a primeira vez que o You Tube se vê diante de uma ação por questões religiosas. Em 2012, por exemplo, a União Islâmica do Brasil procurou a Justiça paulistana para que o Google retirasse de sua plataforma de vídeos brasileira o filme 'Inocência dos Muçulmanos', que retratava o profeta Maomé como um mulherengo.
Liberdade de expressão x Marco Civil da Internet
Não se pode abordar o caso em questão sem deixar de citar o Marco Civil da Internet, sancionado no último dia 24 de abril e que entrará em vigor a partir do próximo dia 23 de junho. O artigo 2º fala de respeito à liberdade de expressão na web em preservação aos direitos humanos, ao exercício à cidadania e à pluralidade e diversidade. Nestes dois últimos não há quaisquer especificações. Quais seriam os limites entre liberdade de expressão, esta como um direito humano, e o desrespeito a outras religiões, considerado uma violação a tal direito???
Com a nova lei, os provedores de conteúdos não poderão ser mais responsabilizados pelos atos de seus usuários, exceto se não cumprirem ordem judicial para retirar o material considerado ofensivo ou prejudicial a outrem.
Uma das garantias do Marco Civil da Internet é o sigilo dos dados dos cibernautas, além do fato de que os provedores terão que armazenar os acessos dos mesmos por pelo menos um ano. Ou mais, se for determinado pela Justiça.
Denúncias de intolerância religiosa crescem mais de 600%
Em 2012, o Disque 100 – da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – registrou um aumento de 626% no número de denúncias de intolerância religiosa, em relação ao ano de 2011. Os casos subiram de 15 para 109, de acordo com a 'Agência Brasil'.
No entanto, os números poderiam ser maiores pelo fato de não haver uma contagem a nível nacional, considerando que os casos seriam denunciados, em sua maioria, a órgãos estaduais de proteção aos direitos humanos e delegacias. As maiores queixas seriam de supostas violações contra as religiões de matrizes africanas, como Candomblé e Umbanda, ademais dos direitos de comunidades ciganas, indígenas e quilombolas.
Em 2012, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos (Safer Net), uma organização não governamental, teria recebido 494 denúncias de intolerância religiosa praticada em perfis no Facebook. De 2006 a 2012, foram mais de 247 mil denúncias anônimas.
Os crimes de preconceito de raça, cor, etnia, religião e a incitação e/ou prática são inafiançáveis e estão previstos pela Lei n° 9.459/97, com pena de um a três anos mais multa.
Desde 2008, a CCIR vem promovendo caminhadas em defesa da liberdade religiosa, no Rio de Janeiro, com a participação de líderes de diversas crenças: católicos, evangélicos, de matrizes africanas, kardecistas, muçulmanos, ciganos etc.
Exemplos de intolerância religiosa nos últimos anos
Um Relatório Internacional sobre Liberdade Religiosa, de 2010, elaborado pela Departamento de Estado norte-americano, chegou a citar a Igreja Universal e a Rede Record por supostos atos de intolerância religiosa.
Em 2008, por exemplo, a Justiça baiana havia determinado que a IURD pagasse indenização à família da mãe de santo Gildásia dos Santos, que teve sua foto veiculada em edição impressa da 'Folha Universal', em 1999, no seguinte artigo: 'Macumbeiros e charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes'.
Em 2009, a CCIR protocolou denúncia contra a Igreja Universal junto à Secretaria Nacional da Igualdade Racial e ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, acusando-a de suposta intolerância às religiões como Umbanda e Candomblé. Inclusive, o Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) havia entrado com pedido de liminar contra a Record e a TV Gazeta, impedindo-as de divulgarem programas supostamente caluniadores às religiões afro-brasileiras, noticiou o site 'Leitura Subjetiva'.
Fica então a pergunta: o que seriam as manifestações afro-brasileiras senão religiões??? Tenta-se entender a ótica da JFRJ. Pois, ao tentar deslegitimar essas doutrinas, consente com o preconceito.
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