Não se paga um pecado com outro

Vereador baiano quer apresentar projeto de lei para impedir o sacrifício de animais em rituais religiosos como o Candomblé Qual a difer...

Vereador baiano quer apresentar projeto de lei para impedir o sacrifício de animais em rituais religiosos como o Candomblé

Qual a diferença entre matar um animal para comer ou para que sirva de sacrifício em cultos religiosos??? O feito é o mesmo. Nenhum deles vai isentá-lo de sua trágica sina. Mas, as intenções são distintas: a primeira é para saciar o corpo; a segunda, o espírito, por ter em conta que supostamente se agrada uma divindade. Uma polêmica toma conta dos cidadãos de Salvador, na Bahia: o vereador Marcell Moraes (PV) pretende apresentar um projeto de lei, proibindo o sacrifício de animais em rituais, ao alegar que se trata de um ato de ‘crueldade’.

Em recente entrevista à imprensa local, o parlamentar disse que não tinha nada contra o Candomblé, e que os orixás – que são ditos como ‘bons e puros’ por seus adeptos – compreenderiam a substituição por plantas, por exemplo.

O assunto precisa ser discutido com calma, para não desrespeitar o Inciso VI do Artigo 5º da Constituição Federal, que considera “inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”, tampouco o Artigo XVIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas, na qual o Brasil é um dos signatários. Contudo, o Artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, da Unesco – braço direito da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura –, determina que “1.Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis. 2.Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia”. O texto não menciona em quais circunstâncias se poderia matá-lo.

Visto que o tema é realmente polêmico, OPINÓLOGO resolveu consultar os cariocas para saber o que pensam a respeito, se essa moda pegasse aqui também. A assistente de Comunicação Mariana Moraes, que é budista, se disse contra a prática. “Para mim, um animal de estimação pode ter sido nosso amigo em uma vida passada”, explica. Aparentemente, o Budismo vai por vias da Metempsicose, crença que acredita que um indivíduo pode reencarnar na forma de gente ou de bicho, diferente do Kardecismo, por exemplo, que prega que o ser nunca regride, pode evoluir ou ficar estacionado, jamais na forma animal.

“Concordo com o vereador”, declarou a professora Céumar Turano, que é kardecista.

“Fico com muita pena dos animais”, contou a internauta Cristina Santos, que também é adepta à doutrina de Allan Kardec.

“Acho certo, certíssimo!!!”, exclamou a estudante de Comunicação Social Naná Lopes, que não tem religião e é a favor do projeto do político baiano.

“Concordo plenamente com o vereador, temos que começar a fazer as pessoas serem mais solidárias aos bichinhos. Acredito em uma força superior”, expressou a advogada Regina Cavalcanti, que é católica.

“Embora defenda o exercício da liberdade religiosa, acredito que as práticas tradicionais possam mudar com a evolução humana. Várias religiões alteraram algumas práticas. A Umbanda e o Candomblé podem rever isso... tenho certeza que os seus deuses entenderão a mudança”, manifestou o turismólogo Ricardo Oliveira, que também é católico. No entanto, é preciso explicitar que a principal diferença entre a Umbanda e o Candomblé é que a primeira não pratica rituais de sacrifícios animais, enquanto a segunda, sim. Para quem não conhece bem, pode achar que tudo é igual e que tudo é macumba.

“Acho pura hipocrisia. Ele vai proibir o abate desumano que os bois sofrem também? E os frangos? A crueldade da indústria agropecuária é gigante, mas não tem como proibir peixe grande, né? Só peixe pequeno como as casas de Candomblé. Saiba que os animais sacrificados são comidos depois, eu me sinto muito melhor comendo um frango sacrificado em um terreiro, que eu sei que teve uma morte com honra, do que um frango industrializado que eu sei do sofrimento que ele passou”, discordou a publicitária Soraya Garcia, que é adepta da religião. Essa questão de os mesmos serem consumidos deixa uma certa dúvida, uma vez que se veem despachos com bichos mortos em encruzilhadas. Portanto, não se pode generalizar.

“De que adianta proibir isso, se o pior acontece nos abatedouros e até mesmo no dia a dia, com a falta de respeito das pessoas para com os animais!!!”, comentou a estudante de Comunicação Social Natane Vidal, que também não tem nenhuma religião.

Sacrifícios

Sabe-se que os rituais de sacrifícios são praticados desde a Antiguidade. Na Bíblia, em Levíticos, há relatos de que os hebreus faziam holocaustos com bois, carneiros e bodes ou pombos e rolinhas para pagarem por seus pecados. Os gados tinham que ser machos e em condições físicas perfeitas, além de serem considerados puros. Se um homem tivesse relação com uma mulher menstruada, ambos eram considerados ‘impuros’ por sete dias, sendo que no oitavo deveria fazer uma oferenda com essas aves.

E em Gênesis, o primeiro livro, Deus teria ordenado a Abraão que sacrificasse um carneiro em lugar de seu filho Isaque. Vale mencionar que o Antigo Testamento narra Deus como um ser cruel, punitivo e vingativo.

Já o Novo Testamento se desvincula de tais atos, uma vez que Jesus Cristo é considerado o ‘Cordeiro de Deus’, tendo se sacrificado pelos pecados da humanidade, embora esta nunca tenha deixado de cometê-los. Pode-se afirmar com toda a certeza, que Jesus é o maior ecologista de todos os tempos, pois livrou os pobres animais de serem vítimas das falhas humanas. Porque soa no mínimo desconcertante que se cometa um pecado para se livrar de outro.

Como se percebe, as práticas de sacrifício não se atribuem apenas ao Candomblé. Mas, também ao antigo Judaísmo, Islamismo e crenças pagãs desde a Grécia Antiga e estão atribuídas a agradecimentos e/ou gestos de adoração. E mesmo sendo difícil compreendê-las, é fundamental respeitá-las em nome da tolerância e da liberdade. Todavia, a alusão imediata que sempre se faz é com a religião de matriz africana, que ainda é vítima de supostos preconceitos e é demonizada por indivíduos de outras doutrinas, principalmente de igrejas evangélicas.

O que dizer das touradas, das vaquejadas, das rinhas de galos e de cães, das caçadas e das apresentações em circos, por exemplo? Seria eufemismo dizer que são ‘sacrifícios’ em prol da do dinheiro e da glória. Muitos animais sofrem e são expostos a situações degradantes. Ou o que dizer sobre matar um rato, um mosquito, uma aranha ou uma barata ou também de dissecá-los para experiências/estudos? Tudo depende do ponto de vista, daquilo que se considera apropriado ou não. Talvez, por serem considerados nojentos, o ato é justificável. No entanto, a matança dos mesmos pode ser vista também como um controle da espécie.

Outra polêmica com o mesmo parlamentar

O vereador Marcell Moraes também é autor de outra recente polêmica aprovada, no último dia 24 de abril, pela Câmara de Salvador: a de proibir a criação, reprodução e comercialização de animais em pet shops daquela cidade. Apenas os canis e demais estabelecimentos apropriados poderão realizar tais atividades. O projeto segue agora para a aprovação do prefeito Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM), mais conhecido como “ACM Neto”. Também há uma petição na internet, pedindo que o Executivo o aprove logo. Até a publicação desta notícia, mais de 250 pessoas já a teriam assinado. OPINÓLOGO tentou contatar o parlamentar na noite da última terça-feira (30/4), mas até então ele não tinha tido a gentileza de retornar. Mesmo ele sendo de um partido que se declara defender a natureza, não se sabe a sua religião.