Morte do jornalista Jamal Khashoggi expõe a tirania de um país com aversão à democracia e à liberdade de imprensa

Domingo, 21 de outubro de 2018 ONG pede à comunidade internacional boicote comercial com a Arábia Saudita por morte de jornalista O d...

Domingo, 21 de outubro de 2018

ONG pede à comunidade internacional boicote comercial com a Arábia Saudita por morte de jornalista

O desaparecimento

Imagem: Pomed / Copiada da Wikipédia /
Reprodução / Creative Commons

O assassinato do jornalista árabe Jamal Kashoggi (foto) serviu para expor a tirania da Arábia Saudita, um país com aversão à democracia e à liberdade de imprensa. Ele era um crítico ao governo. Como é de conhecimento público, ele esteve no Consulado saudita em Istambul (Turquia), no último dia 2 de outubro, para retirar documentos para que pudesse se casar novamente. Desde então, não foi mais visto.

O caso foi inicialmente tratado como desaparecimento forçado. O governo saudita negou que Khashoggi estivesse em suas dependências, dizendo que ele teria saído, e rechaçou as acusações de suposto envolvimento no sumiço. Contudo, as câmeras de estabelecimentos próximos só flagraram a entrada ao recinto. Após repercussão e pressão internacional, a versão foi mudada.

Somente na última quarta-feira (17/10), duas semanas depois, a polícia turca foi autorizada pelo governo árabe a realizar inspeção no consulado em busca de pistas. Foi tempo suficiente para eliminar quaisquer vestígios de crime.

“As discussões que tiveram lugar com o cidadão Jamal Khashoggi durante a sua presença no Consulado do Reino [da Arábia Saudita] em Istambull não foram conforme o necessário e aumentaram negativamente, o que levou a uma luta, que agregou a situação e levou à sua morte”, comunicou o Ministério de Relações Exteriores saudita.

A suspeita é de que ele tenha sido torturado e assassinado, por conta de sua oposição à monarquia. Alguns veículos de comunicação locais falam até em esquartejamento. Sua execução é a demonstração de um suposto modus operandi a quem se volta contra o governo. No ranking para a liberdade de expressão da ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF), a Arábia Saudita está em 169º lugar entre os 180 países analisados. Quanto mais embaixo estiver, menos democrático é considerado.

Ao menos 18 suspeitos pelo homicídio já foram detidos, informou o Ministério de Relações Exteriores da Arábia Saudita. O governo anunciou a formação de um comitê ministerial para reestruturar a presidência do serviço de inteligência. As autoridades sauditas trabalham para tentar desvincular a família real de qualquer responsabilidade no acontecimento, o que poderia se transformar num incidente diplomático.

Em junho de 2017, Jamal Khashoggi havia fugido de sua terra natal para os Estados Unidos, depois que foi denunciado pelas autoridades sauditas, em dezembro de 2016. Ele tinha feito críticas ao presidente norte-americano, Donald Trump.

Se estivesse vivo, o jornalista teria completado 60 anos no último dia 13 de outubro. Ele tinha uma coluna no diário norte-americano Washington Post.

Pedido de boicote econômico

Em protesto à morte do jornalista Jamal Khashoggi, a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) pediu à comunidade internacional o congelamento de relações comerciais com a Arábia Saudita e o boicote à cúpula da Iniciativa de Investimento Futuro, um fórum econômico previsto para ocorrer na capital Riad entre os dias 23 e 25 deste mês.

“Qualquer tentativa de relaxar a pressão ou qualquer política de compromisso seria o mesmo que emitir uma ‘licença para matar’ a todos os regimes despóticos, começando com o regime em Riad”, expressou o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire.

Nos últimos dias, países como Estados Unidos, França, Reino Unido e Holanda já teriam cancelado presença ao evento, segundo alguns jornais. Entre os supostos desistentes estariam cerca de 30 delegações, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o banco HSBC e a empresa Uber, por exemplo.

Um grupo de entidades defensoras dos direitos humanos está pressionando o governo turco a pedir com urgência ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, uma investigação sobre uma eventual execução extrajudicial do jornalista. As entidades são: RSF, Anistia Internacional, Comitê de Proteção a Jornalistas (CPJ) e a ONG Human Rights Watch (HRW).  Elas acusaram as autoridades sauditas de aumentarem a repressão contra dissidentes desde que Mohammed bin Salman se tornou, em 2017, o príncipe herdeiro.

“O envolvimento da ONU é a melhor garantia contra uma ocultação saudita ou tentativas de outros governos de varrer a questão para manter laços comerciais lucrativos com Riad”, comentou o vice-diretor do CPJ, Robert Mahoney.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, cobrou uma investigação rápida e que os culpados sejam levados à justiça.

“O assassinato de Jamal Khashoggi nos recorda a necessidade de lutar pela liberdade de imprensa, essencial para a democracia. A responsabilidade por esses crimes é inegociável”, declarou a diretora-geral do Escritório-Geral da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Audrey Azoulay.