Quarta-feira, 14 de novembro de 2018 O comunicado Imagem: www. slon.pics / Freepik / Reprodução / Creative Commons Bandeira de Cu...
Quarta-feira, 14 de novembro de 2018
O comunicado
Imagem: www. slon.pics / Freepik /
Reprodução / Creative Commons
Bandeira de Cuba |
O Ministério da Saúde Pública de Cuba anunciou, nesta quarta-feira (14/11), a retirada do país do programa ‘Mais Médicos’ no Brasil. O comunicado foi feito, por conta das recentes declarações do futuro presidente do Brasil Jair Bolsonaro (PSL-RJ) sobre pagar integralmente o salário de R$ 10 mil aos médicos cubanos e de que os mesmos teriam de passar pelo Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida) para continuarem em solo sul-americano.
“O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, com referências diretas, pejorativas e ameaçadoras à presença de nossos médicos, declarou e reiteirou que modificará os términos e condições do programa Mais Médicos, desrespeitando a Organização Pan- Americana de Saúde (Opas) e o que foi concordado por esta com Cuba, ao questionar a preparação de nossos médicos e condicionar sua permanência no programa à revalidação do título e como única via contratual individual.
As modificações anunciadas impõem condições inaceitáveis e descumprem as garantias acordadas desde o início do programa, que foram ratificadas no ano de 2016, com a renegociação do término de cooperação entre a Organização Pan-Americana de Saúde e o Ministério de Saúde do Brasil e o convênio de cooperação entre a Organização Pan-Americana de Saúde e o Ministério de Saúde Pública de Cuba. Estas inadmissíveis condições fazem com que seja impossível manter a presença dos profissionais cubanos no programa.
Portanto, ante esta lamentável realidade, o Ministério da Saúde de Cuba tomou a decisão de não continuar participando no programa Mais Médicos e assim o comunicou à diretora da Organização Pan-Americana de Saúde e aos líderes políticos brasileiros que fundaram e defenderam esta iniciativa.
Não é aceitável que se questione a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores cubanos que, com o apoio de suas famílias, prestam atualmente serviços em 67 países. Em 55 anos foram cumpridas 600 missões internacionais em 164 nações, com a participação de mais de 400 mil trabalhadores de saúde, que cumpriram esta honrosa tarefa em mais de uma ocasião. Destacam-se as façanhas da luta contra o ebola na África, a cegueira na América Latina e no Caribe, o cólera no Haiti e a participação de 26 brigadas do Contingente Internacional de Médicos Especializados em Desastres e Grandes Epidemias ‘Henry Reeve’ no Paquistão, Indonésia, México, Equador, Peru, Chile e Venezuela, entre outros países”, disse o governo cubano.
“O povo brasileiro, que fez do programa ‘Mais Médicos’ uma conquista social, que confiou desde o primeiro momento nos médicos cubanos, aprecia suas virtudes e agradece o respeito, a sensibilidade e o profissionalismo com que lhe atenderam, poderá compreender sobre quem cai a responsabilidade de que nossos médicos não possam continuar com seu aporte solidário nesse país”, culpou o Ministério de Saúde Pública de Cuba.
Presidente eleito critica decisão
O presidente eleito reagiu à decisão do governo caribenho:
“Condicionamos à continuidade do programa ‘Mais Médicos’ à aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinada à ditadura, e à liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou.
Além de explorar seus cidadãos ao não pagar integralmente os salários dos profissionais, a ditadura cubana demonstra grande irresponsabilidade ao desconsiderar os impactos negativos na vida e na saúde dos brasileiros e na integridade dos cubanos”
Atualmente, Cuba fica com a maior parte do salário dos médicos cubanos e restringe a liberdade desses profissionais e de seus familiares. Eles estão se retirando do Mais Médicos por não aceitarem rever esta situação absurda que viola direitos humanos. Lamentável!”, criticou.
É sabido que Bolsonaro não se simpatiza com governos de esquerda. Ainda não é possível definir se sua futura decisão se trataria de um ato de justiça e de preservação dos direitos humanos ou de represália.
É sabido que Bolsonaro não se simpatiza com governos de esquerda. Ainda não é possível definir se sua futura decisão se trataria de um ato de justiça e de preservação dos direitos humanos ou de represália.
Trabalho comparado à escravidão
O ‘Mais Médicos’ foi uma iniciativa da ex-presidente Dilma Rousseff (PT-MG), em 2013, como resposta à onda de protestos que tomava conta do país. Mal chegaram ao Brasil, os médicos cubanos já estavam envolvidos em polêmica, por serem comparados a escravos, devido aos baixos salários. Embora o pagamento fosse de R$ 10 mil, a ditadura cubana fica com a maior parte.
Logo quando começaram a trabalhar no Brasil, eles recebiam aproximadamente um salário mínimo. Após a repercussão negativa à época, passaram a ficar com algo em torno de R$ 2,5 mil. Ainda assim, não tinham posse integral do salário. Este era depositado pelo governo brasileiro à Opas, que repassava a Cuba, e esta destinava a parte correspondente a seus profissionais. Na prática, acontece uma terceirização de mão de obra.
Essa não foi a única polêmica: os profissionais cubanos não precisavam fazer o Revalida, o exame que atesta a capacidade de um profissional de medicina formado no exterior a exercer a função no Brasil.
Patrocínio à ditadura cubana
Em 2015, o supracitado programa foi alvo de outra polêmica. Uma reportagem da TV Bandeirantes afirmou que o suposto objetivo dessa plataforma seria o patrocínio à ditadura cubana, que sofre embargo econômico imposto pelos Estados Unidos desde que se tornou comunista em 1959.
Na época, o Ministério da Saúde do Brasil rechaçou a acusação. Em nota ao OPINÓLOGO, informou que antes de convocar profissionais estrangeiros que a preferência era por brasileiros, e que devido à baixa adesão destes para atuarem em áreas remotas, a alternativa era abrir o programa para os demais interessados.
Na ocasião, senadores do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) apresentaram um projeto de lei, propondo a exclusão dos cubanos do ‘Mais Médicos’, por entenderem que a contratação se trataria de um ‘acordo bilateral’ entre os dois países.
Mais de oito mil cubanos no Brasil
O Ministério da Saúde brasileiro divulgou ter recebido comunicado da Opas sobre a decisão do governo cubano e que estaria ‘adotando todas as medidas necessárias’ para garantir o atendimento aos pacientes assistidos pelo programa Saúde da Família que contam com a participação de médicos do arquipélago centro-americano.
O órgão sul-americano também disse estar trabalhando desde 2016 para reduzir a dependência aos profissionais cubanos. Naquele ano, haviam 11.400 médicos atuando no Brasil. Em 2018, há 8.332. O ‘Mais Médicos’ dispõe ao todo de 18.240 vagas.
São Paulo é estado com mais profissionais cubanos no país, 1.394, seguido da Bahia, com 822, e Rio Grande do Sul, com 617. O Distrito Federal é a unidade federativa com menor presença, somente 20, segundo o Ministério da Saúde brasileiro.
De acordo com o Ministério da Saúde Pública cubano, em cinco anos de ‘Mais Médicos’, cerca de 20 mil profissionais cubanos atenderam 113,4 milhões de pacientes em mais de 3.600 municípios e que mais de 700 cidades brasileiras puderam contar com um médico pela primeira vez desde então. Entre os locais trabalhados estariam favelas no Rio de Janeiro, São Paulo e na Bahia, ademais de comunidades indígenas na Amazônia.
Breve análise
É preciso analisar se tanto a decisão de Bolsonaro quanto a de Cuba não implicaria uma eventual quebra de contrato. Pois, embora venha um novo governo, a entidade pública a responder pelo ‘Mais Médicos’ é, de fato, o governo brasileiro.
O anúncio do governo caribenho acontece antes de o novo mandatário assumir e suscita algumas questões: se Cuba não estaria receosa de deserções em massa, o que possibilitaria uma grande perda de mão de obra barata, além do fato de negar-se a submeter ao Revalida.
O sistema de saúde pública que já é precário e bastante ruim tende a piorar com a ausência de mais de oito mil profissionais em atenção básica.
O sistema de saúde pública que já é precário e bastante ruim tende a piorar com a ausência de mais de oito mil profissionais em atenção básica.
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