Segunda-feira, 03 de setembro de 2018 Desde 2015, UFRJ tentava uma linha de financiamento para realizar obras no imóvel Imagem: Tânia ...
Segunda-feira, 03 de setembro de 2018
Desde 2015, UFRJ tentava uma linha de financiamento para realizar obras no imóvel
Desde 2015, UFRJ tentava uma linha de financiamento para realizar obras no imóvel
Imagem: Tânia Rego / Agência Brasil /
Reprodução / Creative Commons
Mais de 200 anos de História viraram cinzas |
Ainda não se sabe a real causa do incêndio (foto 1) no Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, Zona Norte do Rio, na noite de ontem (2/9). Contudo, fica a lição de que a área da cultura continua sendo tratada com desdém pelos governantes do nosso país, em estado de abandono. A cultura aqui em questão vai além do pão e circo. É a do conhecimento e a da identidade.
A tragédia aconteceu no ano que o museu completa 200 anos e às vésperas do aniversário de 196 anos de Independência, no próximo dia 7 de setembro. O dia 2 de setembro já entrou para a história como um dia de luto nacional e será lembrado como uma data de morte à cultura. O país está de luto. O povo brasileiro perde parte de registros de sua História, cultura e memórias. Tudo isso virou cinzas.
Um povo sem cultura é um povo sem conhecimento. É um povo que não se dá o devido valor. Isso não é um clichê. É uma sentença perpétua a qual o povo decidiu se impor.
Estranhamente, o Brasil é o país do carnaval, do samba, do futebol, mas não é um país adepto à cultura (sem o pão e circo), embora tais coisas façam parte da identidade cultural.
A falta de cultura ou de interesse pela mesma é um aspecto intrigante e intrínseco da identidade de sua gente. Faz parte de sua cultura não gostar e/ou não se importar com cultura. O brasileiro, de modo geral, é alheio a si próprio, passado, história, origem e identidade.
Os valores que boa parte da população busca conservar não são os culturais. É possível notar uma certa confusão entre cultura e moral que, de certo modo, é substituída por conceitos religiosos.
Não seria surpresa alguma se a área do Museu Nacional desse lugar a condomínios ou edifícios comerciais, tendo em vista que investir em cultura nunca foi uma das prioridades no país. Isso pode ajudar a explicar por que o país tem elevados índices de analfabetismo e em rankings internacionais está sempre em última – ou na pior – classificação.
A tragédia e a repercussão
No início desta madrugada, o Museu Nacional – que está sob a responsabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – informou que estava ‘acompanhando o trabalho do Corpo de Bombeiros e dando todo o suporte necessário às equipes’ que ainda atuavam no combate às chamas. Por volta das 19h30, já havia registro do fogaréu.
“É uma enorme tragédia. A hora é de união e reconstrução. Infelizmente, ainda não conseguimos mensurar o dano total ao acervo, mas precisamos mobilizar toda a sociedade para a recuperação de uma das mais importantes instituições científicas do mundo”, expressou o diretor do museu, Alexander Kellner.
“A cultura e o patrimônio científico do Brasil e do mundo sofreram uma perda inestimável com o incêndio ocorrido no Museu Nacional da UFRJ. Há décadas que as universidades federais do país vêm denunciando o tratamento conferido ao patrimônio das instituições universitárias brasileiras e a falta de financiamento adequado, em especial nos últimos quatro anos, quando as universidades federais sofreram drástica redução orçamentária.
(...) Este momento devastador deve ser um alerta para as forças democráticas do país, no sentido de preservação do patrimônio cultural da nação. O inadmissível acontecimento que afeta o Museu Nacional da UFRJ tem causas nitidamente identificáveis. Trata-se de um projeto de país que reduz às cinzas a nossa memória. Nós desejamos que a sociedade brasileira se mobilize junto à comunidade universitária e científica para ajudar a mudar o tratamento conferido à educação, à memória, à cultura e à ciência do Brasil (...)”, manifestou a Reitoria da UFRJ, que disse ter solicitado apoio pericial à Polícia Federal e a especialistas da própria universidade.
O Ministério da Cultura disse lamentar ‘profundamente o incêndio que dizimou o acervo e as instalações do Museu Nacional’ e que a partir desta segunda-feira (3) começaria a fazer um levantamento para a reconstrução do prédio.
Em nota, o Palácio do Planalto informou que o presidente Michel Temer tem mantido contato com entidades financeiras públicas e privadas para a reconstrução do museu ‘no tempo mais breve possível’. Essas entidades são formadas por empresas e bancos públicos e privados. Uma das alternativas que está sendo estudada pelos ministérios da Educação e da Cultura seria financiar a reconstrução do prédio por meio da Lei Rouanet.
Imagem: Daniele Carvalho / Cedida ao OPINÓLOGO
Era uma vez, o Museu Nacional... Isso é parte do que sobrou |
Em 2017, o Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES) aprovou uma linha de crédito de R$ 21,7 milhões para obras de revitalização e a aquisição de novos sistema e equipamentos de prevenção de incêndios. Mas, até agora a grana não foi liberada. De acordo com o reitor da UFRJ, Roberto Leher, todos os investimentos feitos no museu têm sido feitos com recursos da própria universidade, apesar dos cortes orçamentários por parte do governo federal. Ademais, desde 2015, a universidade tentava uma linha de investimentos junto a essa mencionada entidade financeira para promover as melhorias necessárias no Museu Nacional, mas que sofria com ‘problemas sistemáticas’, devido à falta de linhas de empréstimos do governo federal para construções históricas.
Meios de comunicação estrangeiros também deram destaque à tragédia brasileira. Logo nas primeiras horas que a tragédia foi anunciada pela imprensa, o assunto tomou conta das redes sociais, tornando-se o assunto mundialmente mais comentado no twitter. Rapidamente, os internautas destacaram a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 241 – PEC do Teto dos Gastos Públicos –, que congela por 20 anos os investimentos em áreas essenciais como saúde, educação, assistência social, inclusive cultura. A medida foi apresentada pelo governo Temer ao Congresso, em 2016, como parte do plano de ajuste fiscal para tentar controlar a crise financeira que afeta o país.
Imagem: Daniele Carvalho / Cedida ao OPINÓLOGO
Um misto de dor e desespero marca o momento |
Mais de 20 horas após o incêndio, ainda haviam bombeiros no local jogando água nos escombros. Funcionários do museu e manifestantes choravam (foto 3) a perda do patrimônio, segundo a jornalista Daniele Carvalho. Ela fez um breve relato ao OPINÓLOGO e enviou algumas imagens.
“Nos andares mais baixos, só dá para ver ferros amontoados e as paredes ocas (foto 2). Pelo visto, parece que não sobrou nada dentro, porque está tudo literalmente oco. Só se consegue ver de lado a lado e só tem a estrutura das paredes externas. Não sobrou nada para contar história. Que coisa terrível! Eu tive de vir hoje aqui para conferir de perto, para ver se eu acreditava, porque é surreal”, contou Daniele Carvalho.
Sobre o museu
O Museu Nacional era considerado o maior museu de história natural da América Latina. Foi criado em 6 de junho de 1818, fundado por Dom João VI e funcionava inicialmente no Campo de Santana, no Centro do Rio. Em 1892, foi transferido para o atual imóvel, no Palácio de São Cristóvão.
De 1808 a 1821, o palácio serviu de residência à família real portuguesa. De 1822 a 1889, foi a morada da família imperial brasileira. E de 1889 a 1891, sediou a primeira Assembleia Constituinte Republicana.
Imagem: Museu Nacional / Reprodução
Objetos egípcios milenares resistiram ao tempo, mas não ao abandono |
Em 1938, o local onde funcionava o museu foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O acervo de mais de 20 milhões de itens era composto por livros, folhetos, obras raras, mapas, fósseis, incluindo dinossauros, objetos científicos e arqueológicos, teses, dissertações etc. Entre os bens valem destacar a coleção (foto 4) de múmias e sarcófagos que o imperador Dom Pedro I havia começado a adquirir; a coleção de artefatos greco-romanos da imperatriz Tereza Cristina; o mais antigo fóssil humano encontrado no país, batizado de ‘Luzia’; a coleção de meteoritos, entre eles o Bendegó, achado em 1874; objetos que mostram a cultura indígena, afro-brasileira e do pacífico; e a coleção Concha, Corais e Borboletas.
Para celebrar o bicentenário, o museu estava promovendo a exposição ‘Expedição Coral: 1865-2018’, que mostrava, inclusive o esqueleto de colônia centenária do coral Mussismilia braziliensis, coletada na Bahia no século 19.
Parte da programação de aniversário incluía a palestra ‘Leopoldina: a mulher na Independência do Brasil’, na próxima sexta-feira (7).
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