Domingo, 27 de maio de 2018 O uso da força para garantir a ordem Imagem: César Itiberê / Presidência da República / Reprodução ...
Domingo, 27 de maio de 2018
O uso da força para garantir a ordem
Imagem: César Itiberê / Presidência da República /
Reprodução
Além da crise financeira, Temer precisa lidar com uma crise de desabastecimento |
Saiu no Diário Oficial da União desse sábado (26/5) mais um decreto assinado pelo presidente Michel Temer (MDB-SP) para conter o desabastecimento decorrente da greve dos caminhoneiros que já dura uma semana. O Decreto nº 9.385/2018 autoriza a requisição de qualquer veículo particular para uso das Forças Armadas, para transportar cargas consideradas essenciais. A medida também estabelece a utilização de servidores públicos de quaisquer órgãos e de militares das Forças Armadas para a condução dos automóveis, desde que tenham carteira de habilitação para isso.
No dia anterior (25), o emedebista já havia emitido o Decreto nº 9.382/2018, convocando as Forças Armadas, por meio da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) – com validade até 4 de junho –, para atuarem na desobstrução de vias públicas federais, estaduais e municipais. A medida permite que soldados possam dirigir os caminhões dos grevistas.
Os supracitados decretos mostram que o Brasil não se encontra em estado de sítio ou de defesa. Encontra-se em “estado de Temer”. Não é uma coisa nem outra. É uma espécie de estado de exceção que beira ao autoritarismo, se levados em conta os direitos à greve e à livre manifestação. O estado de exceção pode ser decretado, quando há risco à ordem constitucional democrática ou em caso de calamidade pública. O governo alega que os caminhoneiros atentam contra a ordem econômica, a organização do trabalho, a segurança dos meios de transporte e outros serviços públicos, o que implica no direito de ir e vir.
A Polícia Federal e o Conselho Administrativo de Desenvolvimento Econômico (Cade) investigam se os grevistas estariam, supostamente, cometendo locaute (“lockout”, em inglês). Isso ocorre quando o patrão impede o empregado de trabalhar. Caso seja comprovado o crime contra a ordem econômica, a multa aplicada pelo segundo órgão pode variar de R$ 50 mil a R$ 2 bilhões para pessoas físicas. Já para pessoas jurídicas, de 0,1% a 20% do faturamento do ano anterior à abertura de processo administrativo.
O uso exagerado e/ou excessivo e banal do Exército, Marinha e Aeronáutica em diferentes situações e contextos coloca o país numa espécie de estado de emergência ou de um “Brasil Urgente”. As Forças Armadas são constantemente convocadas, por meio de GLO, para atuarem em favelas em combate ao narcotráfico ou em rodovias, por exemplo.
Ainda está cedo para dizer se Temer fez certo ao convocar os militares para atuarem contra trabalhadores, a fim de evitar uma crise de desabastecimento em nível nacional. Entretanto, se o problema se agravar, ele será acusado de negligência, por ter demorado a agir. O emedebista não tem nada a perder: está em seus últimos meses de mandato; seu governo tem elevadíssimo índice de rejeição; e é acusado pela oposição de ter dado um suposto “golpe” em sua colega de chapa, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT-MG), por meio de um impeachment, para assumir o poder em seu lugar.
Temer não conseguiu usar a seu favor o fato de que os grevistas, supostamente, descumpriram o que foi acordado com sindicatos, associações e federações de classe na reunião da última sexta-feira (24), em Brasília. Mesmo tendo zerado a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e reduzido em 10% apenas o preço do óleo diesel nas refinarias por 30 dias, as medidas não foram suficientes. Michel Temer ainda se expôs como um presidente que opta pela força em vez de insistir no diálogo. Os grevistas querem que o desconto seja mantido por 60 dias. Os caminhoneiros reclamam que metade dos custos operacionais é com combustível.
Balanço parcial
O presidente joga parte da responsabilidade e do problema para os governadores, quando os insta a também reduzirem impostos do óleo diesel. Em São Paulo, o governador Márcio França (PSB-SP) anunciou a suposta queda de 77,7% dos bloqueios nas rodovias, após reunião que aconteceu no sábado (26) junto com o ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, Carlos Marun. O líder paulista anunciou o fim da cobrança de pedágio por eixo levantado nos caminhões, o perdão das multas aplicadas no período e a redução no reajuste do diesel também nos postos de gasolina, cabendo ao Procon-SP fiscalizar o cumprimento da medida.
Imagem: Vladimir Platonow / Agência Brasil /
Reprodução / Creative Commons
Manifestantes tentam impedir a saída de caminhões das refinarias |
Na capital carioca, a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) obteve liminar, garantindo o abastecimento de caminhões de lixo. A prefeitura decretou estado de alerta, na última sexta-feira (25), por conta dos impactos do desabastecimento, em especial o setor de transportes coletivos. O sistema de ônibus BRT havia interrompido as atividades a zero hora desse sábado (26), mas voltou a funcionar parcialmente às 17h do mesmo dia, com pouquíssimos carros, depois de ter sido reabastecido. A Polícia Militar escoltou o caminhão-tanque (foto 2) até as garagens das empresas.
No Rio, as universidades Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Federal Fluminense (UFF) e Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) suspenderam as aulas na próxima segunda-feira (28). Em outras partes do país, as aulas também estão sendo canceladas em escolas e faculdades.
No Ceará, por exemplo, o Ministério Público (MPCE) recomendou aos postos de gasolina que não aumentassem “abusivamente” os preços dos combustíveis, “aproveitando-se da situação excepcional”. Os clientes que se sentirem lesados poderão denunciar, inclusive enviando foto da nota fiscal.
Num balanço parcial sobre a crise, divulgado na noite de ontem (26), o Palácio do Planalto disse que 524 rodovias já foram, supostamente, desbloqueadas e que outras 566 permanecem com bloqueios. O fornecimento de combustível para gerar energia nas termelétricas de Roraima e Rondônia já foi realizado, assim como nos aeroportos de Brasília, Viracopos, Porto Alegre e Cofins para abastecer os aviões.
Boa parte da população – não dá para especificar um percentual – apoia o protesto dos caminhoneiros. Pelo menos enquanto houver comida em casa, embora as prateleiras dos supermercados já comecem a ficar vazias por conta da não reposição. A partir do momento que a situação piorar, não houver mais ônibus nas ruas, nenhuma gasolina disponível e faltar medicamentos nas farmácias, os grevistas poderão perder a simpatia do povo. Há um velho ditado que diz que “cada um sabe onde o calo aperta”. O direito do outro só costuma ser respeitado enquanto o próprio não é afetado.
Breve análise
Essa crise teria sido muito pior, se tivesse acontecido durante as eleições. Poderia ser interpretada como um suposto ataque à democracia.
Imagem: Vladimir Platonow / Agência Brasil /
Reprodução / Creative Commons
Ainda está longe de ser como os protestos de 2013 |
Essa crise ganha cada vez caráter político, quando manifestantes pedem intervenção militar (foto 3). Mas, é exatamente isso que o presidente Michel Temer tenta fazer, só que de um jeito diferente. A atuação das Forças Armadas está sendo pouco divulgada pela grande imprensa.
A paralisação dos caminhoneiros pode gerar certa insurgência política em pleno ano eleitoral. A Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) programa uma “greve geral” dos funcionários do setor para a próxima quarta-feira (30), véspera do feriado de Corpus Christi. As pautas são contra o preço do gás de cozinha e dos combustíveis e contra privatizações no setor público.
Outra coisa: na rede pública de saúde sempre faltaram medicamentos e insumos básicos no tratamento de pacientes. Dependendo do momento e se a unidade é federal, estadual ou municipal, pode faltar antibiótico, esparadrapo, seringa, gaze etc. Todos os dias morrem pessoas nos hospitais por suposta negligência do poder público ou falta de remédios. Portanto, a paralisação dos caminhoneiros não pode ser usada para justificar a carência dos mesmos. Essa tem sido a triste realidade do Sistema Único de Saúde (SUS) por décadas. Atribuir a culpa a outrem por um problema crônico que gerou um círculo vicioso é uma desonestidade intelectual, é tangenciar a própria responsabilidade.
COMMENTS