Sexta-feira, 16 de junho de 2017 Crivella decide cortar metade da verba destinada às escolas de samba do grupo especial Cultura X Ed...
Sexta-feira, 16 de junho de 2017
Crivella decide cortar metade da verba destinada às escolas de samba do grupo especial
Cultura X Educação
“Não existe motivo para polêmica”, foi o que disse a Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro (Riotur) num trecho de nota a respeito da polêmica, envolvendo o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB-RJ) e o carnaval carioca. A verdade é que as polêmicas o perseguem.
Na última segunda-feira (12/6), a Prefeitura do Rio de Janeiro informou que o líder municipal pretende remanejar 50% da verba destinada às escolas de samba do grupo especial para investir em creches. A cifra estimada para as festividades de 2018 era de R$ 26 milhões. Para o carnaval de 2017, as agremiações receberam R$ 24 milhões. A administração municipal sustentou que elas não ficarão sem recursos e que poderão receber investimentos do Conselho de Turismo.
Crivella justificou a medida, alegando querer dobrar de R$ 10 para R$ 20 a diária paga às creches conveniadas com a prefeitura.
“O valor que é pago hoje é muito pouco até mesmo para comprar um iogurte. O que estamos fazendo é refletir como gastar melhor. Se vamos usar esses recursos para uma festa de três dias (carnaval) ou ao longo de 365 dias ao ano”, expressou o mandatário.
“(...) O Rio possui cerca de 15 mil crianças nas creches, que necessitam de recursos durante todo o ano. Como todos sabem, estamos com sérios problemas em nosso orçamento. E muitas questões cruciais para serem resolvidas. Precisamos de uma diária de R$ 20 e hoje elas recebem apenas R$ 10, e isso é muito pouco. Precisamos dobrar este valor.
Por esta razão propus à Liesa um corte de 50 % nas verbas. A beleza do nosso carnaval está nos pés, pelo samba mostrado pelos componentes, nesta grande geografia humana. Carnaval é muito mais que carros alegóricos. E se por um lado as escolas perderiam recursos, por outro, investimentos seriam feitos na Sapucaí para melhorar as condições de infraestrutura oferecida às escolas. Os recursos viriam do Fundo de Turismo.
Assim como em outras questões públicas, é importante que tenhamos a sensibilidade de colocar em primeiro lugar questões básicas neste momento. As escolas de samba não ficarão sem verbas e temos situações mais prioritárias para nosso povo, que envolvem diretamente o bem-estar de quem mais precisa”, defendeu-se Crivella nas redes sociais.
Por conta disso, a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) ameaçou suspender os desfiles de 2018, caso a verba seja reduzida.
“(...) Diante do acima exposto, as Escolas de Samba do Grupo Especial, representadas por seus presidentes abaixo assinados, vêm esclarecer a opinião pública que, em reunião realizada na sede da Liesa, no dia 14/06/2017, chegaram à conclusão que, a prevalecer a decisão do Exmo. Sr. prefeito Marcelo Crivella, ficarão inviabilizadas as apresentações das Escolas de Samba, no Carnaval de 2018 (...)”, comunicou a entidade.
Para o candidato derrotado no segundo turno, deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), o argumento do republicano é ‘falso e demagógico’, por considerar não ser necessário excluir uma política de cultura em prol da educação.
À primeira vista, parece que o prefeito Marcelo Crivella (PRB-RJ) decidiu ‘sambar’ na cara das escolas de samba, por repetir o velho clichê da grande maioria dos políticos: não cumpre o que promete. O ex-senador tomou uma decisão unilateral. Deveria ao menos ter discutido a questão com as agremiações. Ou então a medida passar a valer para o carnaval de 2019 em diante, por exemplo, dando-as tempo de se prepararem economicamente para isso e buscarem patrocínios.
Aliança
Imagem: PRB / Reprodução
O carnaval carioca era ‘10’ |
Para vencer as eleições municipais de 2016 e ser eleito prefeito do Rio de Janeiro, o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) Marcelo Crivella (PRB-RJ) só não fez pacto com o diabo. Pôde fazer campanha em áreas dominadas por milicianos e conseguiu o apoio de escolas de samba do grupo especial, por exemplo. Em outubro do ano passado, faltando duas semanas para o segundo turno das eleições municipais, representantes das agremiações se reuniram (foto) com o então candidato do Partido Republicano Brasileiro (PRB), em Benfica, Zona Norte do Rio, e declararam seu favoritismo.
“O Crivella foi o que apresentou as melhores propostas. Foi o que mais se aproximou. Disse que vai cumprir com o que já temos, não vai retirar direitos das escolas e pretende sentar com a Liga para buscar soluções”, comentou na época o então vice-presidente da Mocidade Independente de Padre Miguel, Rodrigo Pacheco, segundo o jornal ‘Extra’.
“Ele (Crivella) foi claro de que não teria preconceito. Ele falou que já pensou de forma diferente, que está mais maduro e preparado. Disse: ‘Como posso ter preconceito com o maior espetáculo do mundo?’”, completou o então presidente da Mangueira, o deputado estadual Chiquinho da Mangueira.
“Nosso objetivo era trazer o mundo do samba ao prefeito Marcelo Crivella que, tenho certeza, vai abraçar o carnaval carioca. Quem diz que o senador é contra o carnaval é que deve ser contra. O mundo do samba abraça o Crivella”, expressou Paulo Viana, ex-presidente da Mocidade Independente de Padre Miguel e um dos articuladores do encontro.
Os dois lados da questão
Crivella também parece subestimar os potenciais turístico, econômico e cultural do carnaval carioca. Na edição deste ano, a ‘Cidade Maravilhosa’ recebeu mais de 1,1 milhão de turistas que deixaram R$ 3 bilhões.
Durante o carnaval deste ano, o recém-eleito prefeito do Rio não compareceu ao Sambódromo para a tradicional entrega da chave da cidade ao rei Momo, cuja cerimônia marca a abertura oficial dos festejos. Ficou a dúvida se ele tinha misturado religião com política. Também não acompanhou presencialmente os desfiles marcados por tragédias e irregularidades. Ele deu a desculpa de que preferiu supervisionar a operação nas ruas e foi visitar nos hospitais os feridos, vítimas de atropelamento de um carro alegórico.
Falta saber se a recente decisão de Crivella é a de um gestor político ou a do bispo que nunca quis se licenciar dele. Ao longo da campanha tentou mostrar-se um candidato mais maduro, mais tolerante e sem preconceitos. Em abril passado, por exemplo, ele fez uma viagem de caráter pessoal para a África do Sul, para participar de um evento da Iurd.
Vale frisar que as agremiações receberam R$ 12 milhões para o carnaval de 2015. Em setembro daquele ano, véspera de ano eleitoral, o então prefeito Eduardo Paes (PMDB-RJ) – que não poderia concorrer de novo, mas tinha um afilhado político para substitui-lo – resolveu dobrar a verba para as festividades de 2016 e a manteve no orçamento de 2017. Portanto, o que Crivella está fazendo é voltar aos valores originais.
O bom senso deixa claro que investir em educação é sempre, e teoricamente, mais importante que gastar em carnaval. Quando se coloca isso em xeque, vem sempre o debate sobre o que é mais importante: educação ou ‘circo’. No entanto, o carnaval carioca está entre as maiores festas populares do país e do mundo, é uma das identidades culturais da cidade, além de gerar empregos diretos, indiretos e temporários e movimentar a economia. Portanto, não se trata de uma data qualquer, e sim de um investimento.
Por outro lado, vale enfatizar que o carnaval não se resume a escolas de samba. Os blocos de rua são responsáveis por levar diversão e manter viva a cultura de forma gratuita. Isso sem contar os milhões de cariocas que não curtem samba, carnaval ou sequer pisaram na Marquês de Sapucaí, até mesmo pelo elevado preço dos ingressos. O carnaval da Sapucaí faz parte da cultura popular, mas ainda não está ao alcance de grande parte da população.
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