Terça-feira, 29 de março de 2016 “Miserável país aquele que não tem heróis. Miserável país aquele que precisa de heróis”. A frase é at...
Terça-feira, 29 de março de 2016
“Miserável país aquele que não tem heróis. Miserável país aquele que precisa de heróis”. A frase é atribuída ao falecido dramaturgo alemão Bertolt Brecht.
Na última quinta-feira (24/3), o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, foi eleito o 13º maior líder mundial pela revista estadunidense ‘Fortune’. A lista traz ao todo 50 nomes de pessoas que ‘transformaram o mundo’ e que ‘podem influenciar outras pessoas a fazer o mesmo’. Justificou a publicação, em razão de Moro estar comandando a Lava-Jato, operação que investiga a roubalheira na Petrobras.
Para grupos de direita, Moro está se tornando uma espécie de herói nacional. Da mesma forma que foi o ex-ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao colocar em cana políticos e empresários importantes e/ou influentes que participaram direta ou indiretamente do esquema de compra de apoio em medidas provisórias batizado de Mensalão. O que é certo dizer nos dois casos é que tanto Moro quanto Barbosa apenas cumpriram bem suas devidas obrigações. Não buscaram e não buscam títulos, tampouco estrelismo. Mas, para uma democracia jovem como a do Brasil, sem grandes filósofos, inventores – com exceção de Santos Dumont e alguns escassos nomes que não vêm à mente agora –, sem um prêmio Nobel e sem heróis, é preciso forjar de alguma maneira um herói nacional em nome do patriotismo.
Para uma nação que enfrentou uma longa Ditadura Militar, as instituições públicas são saqueadas diariamente, a violência e a criminalidade são um império paralelo da lei nas grandes cidades – especialmente em favelas –, a saúde e a educação parecem ser problemas crônicos e a pobreza é combatida com mais pobreza, resta ao cidadão embriagar-se em promessas de campanha e criar um mito como subsistência cultural.
O folclore nacional não deu certo. É horrível. Pare de demagogia barata e admita!!! Poucos o conhecem e/ou o estudam de fato. Para começo de conversa, o boitatá não é um boi, mas uma cobra de fogo. Aposto que você, leitor(a), não sabia disso. Diferente da mitologia indígena, as ‘mulas’ do mundo real têm cabeça. Embora pareça uma contradição por parte deste jornalista, verdade seja dita: o complexo de vira-lata do brasileiro começa com a desvalorização de sua própria cultura e de seu próprio país. Espertos foram os gregos: inventaram as Musas, Afrodite, Cupido, Hércules e todo um panteão de deuses e heróis para tentar explicar a existência e a funcionalidade das coisas. Sua cultura sobrevive aos séculos.
O Brasil tentou forjar heróis no futebol, mas também não deu certo. Durante a Ditadura Militar, funcionou para o regime causar distração popular e confundir as vitórias de profissionais que queriam ganhar dinheiro com as vitórias de um povo sem memórias e senso crítico. Sem generalizar, é claro.
Lula, o herói de si mesmo
Do lado esquerdo da política, um sindicalista nordestino forjava a si mesmo o papel de herói das massas: Luiz Inácio Lula da Silva. De família pobre, ele criou o que seriam suas maiores bases políticas na atualidade: um sindicato e um partido, o dos Trabalhadores (PT). Fez oposição ao regime militar, participou das Diretas Já e apoiou o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
Por 20 anos, Lula tentou ser presidente. Ao longo desse período, fracassou por suposta ingerência da imprensa, fracassou também pela repulsa que sua ideologia causava. Fracassou também, porque era considerado um analfabeto, um despreparado para a política.
Em 2002, Lula foi eleito presidente da República sob desconfiança. Para acalmar os ânimos do mercado financeiro, tão logo que assumiu o governo, tratou logo de anunciar que pagara a dívida do país com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Em vez de devedor, o Brasil passou a ser credor e a ser olhado de outra maneira.
Em seus dois mandatos, Lula fez mudanças na forma de uso das notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), criou o Fome Zero e instituiu o Bolsa Família – ou modificou algum programa do governo anterior –, por exemplo. Neste último, em vez de ‘ensinar a pescar’, preferiu ficar dando o ‘peixe’. O que lhe garantiria uma dependência eleitoral viciosa, já que o Bolsa Família não é um programa temporário.
Em 2009, o então primeiro-ministro espanhol, Jose Luis Zapatero, ousou a dizer, em artigo publicado no diário ‘El País’, que graças a Lula, o Brasil tinha deixado de ser o país do ‘se’ para tornar-se uma ‘formidável realidade’.
O Lula que criou para si mesmo um herói – por ter vencido as próprias dificuldades como se fossem as de um povo – é o mesmo cuja imagem começa a ruir. Primeiro foi o Mensalão logo nos dois primeiros anos de governo. Depois foi a Lava-Jato. Nos dois casos o protagonismo foi do PT e de nomes importantes da legenda como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT José Genoíno. Mal sabia que seus dois governos serviriam para destruir o mito que inventou para si próprio e ajudaria a fragilizar a imagem da esquerda latino-americana.
No último dia 4 de março, Lula foi conduzido coercitivamente a depor à Polícia Federal durante a deflagração da 24ª fase da Lava-Jato, chamada de operação ‘Aletheia’ – que significa a busca da verdade –, que investiga se ele de fato é dono de um sítio em Atibaia e de um apartamento triplex no Guarujá, todos estes bens em nomes de ‘amigos’. Buscas e apreensões foram feitas também ao Instituto Lula, na residência de parentes e de assessores.
Suspeita-se que sua nomeação para ministro-chefe da Casa Civil, no último dia 17 de março, tenha sido um ato de obstrução à Justiça por parte da presidente Dilma Rousseff, para protegê-lo de uma eventual prisão. Pois, o cargo oferece foro privilegiado. Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – que ontem (28) protocolou um pedido de impeachment contra a atual chefe de Estado – e para partidos de oposição, os grampos telefônicos feitos a Lula pela Polícia Federal e liberados com autorização judicial não deixam dúvidas. Numa conversa com Lula, Dilma Rousseff disse que lhe enviaria o termo de posse de ministro, antes mesmo de sua cerimônia de posse, para que o usasse se houvesse ‘necessidade’.
O herói de um passado distante e imaginário agora passa a ser considerado um vilão. Sua interdependência com sua afilhada política não é capaz de salvar um ao outro diante da atual crise com vieses econômico, político e moral. É sabido que Dilma Rousseff só foi eleita graças a Lula, cuja imagem está atrelada. Em vez de ter sido ‘a’ primeira mulher presidente do Brasil, só o que ela conseguiu foi ser ‘uma’ presidente do Brasil. A falta de carisma e o ‘mau humor’ – lembrado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes – a tiraram da posição de figurante para a de antagonista da História. Pois, no fundo, o protagonista sempre foi... Lula.
O ex-presidente mais uma vez precisa bancar o herói de si mesmo: fugir das acusações que lhe são imputadas. Contudo, diante da falta de argumentos, resta vitimizar-se para, automaticamente, vilanizar seus delatores.
Definitivamente, a mitologia tupiniquim não tem heróis de carne e osso. Mas, no mundo da imaginação, cada um pode fantasiar quem quiser.
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