Ao proibir filme, Índia confunde dignidade com censura

Quinta-feira, 05 de março de 2015 Justiça indiana proíbe exibição de documentário sobre a violência às mulheres Imagem: Stockvault / ...

Quinta-feira, 05 de março de 2015

Justiça indiana proíbe exibição de documentário sobre a violência às mulheres

Imagem: Stockvault / Uso gratuito / Reprodução

Bandeira da Índia

A Índia proibiu, nessa quarta-feira (4/3), a exibição do documentário India's Daugther (em tradução literal, Filha da Índia), no próximo domingo (8), no Dia Internacional da Mulher, noticiou o canal de TV alemão “Deutsche Welle”. A alegação é de que o filme seria uma afronta à dignidade das mulheres.

A obra aborda a violência contra a mulher no país e traz o depoimento de um dos acusados de ter participado do estupro coletivo de uma jovem de 23 anos, em dezembro de 2012, em um ônibus. Ela morreu 13 dias após ficar internada. Na opinião do criminoso, que está preso e aguarda sua pena capital, a culpa seria da vítima. O caso ganhou repercussão internacional e causou indignação.

O filme foi produzido pela cineasta inglesa Leslee Udwin e seria exibido pelo canal NDTV, em parceria com a britânica BBC, entre outras emissoras.

Ao fazer isso, a Justiça indiana confunde dignidade com censura, ao fechar os olhos para uma das tantas violências contra as mulheres. Na verdade, a declaração do estuprador seria uma afronta à dignidade dos homens, não das mulheres, ao expor um pensamento machista, que poderia ser mais comum do que se imagina.

Além disso, evidenciaria uma das vergonhas e deficiências do país, colocando-o ao ridículo. Existe um velho ditado que diz “o que os olhos não veem, o coração não sente”.

Vetar o documentário pode ser um tiro no pé. Poderia incitar mais a curiosidade das pessoas e supervalorizá-lo.

Alguns casos

Em dezembro último, a ONG Human Rigths Watch (HRW) denunciou que mulheres com deficiência mental estariam sofrendo suposta violência sexual em clínicas psiquiátricas.

Em maio do ano passado, duas meninas – de 14 e 16 anos – de “casta intocável” foram encontradas mortas e com sinais de estrangulamento. Elas teriam saído de suas casas para fazer suas necessidades fisiológicas atrás de uma árvore. Boa parte dos indianos sofre com a falta de saneamento básico. O pai das jovens procurou a polícia, mas teve negado o pedido de registro de ocorrência, e teria levado um tapa no rosto de um agente, de acordo com a Anistia Internacional. Dois suspeitos de castas superiores foram detidos na ocasião. Esse não é o único caso em que as autoridades supostamente ignoram os relatos de vítimas e seus familiares.

Em janeiro de 2014, uma mulher de 20 anos teria sido violentada por mais de 10 homens, como pagamento de uma multa por namorar um homem de uma tribo diferente. A punição teria sido imposta pelo conselho local, segundo a “Folha de São Paulo”.

Deve-se levar em conta que o estupro não é a única forma de agressão às suas mulheres. Com uma cultura atrasada – sem querer desmerecê-la –, a nação asiática ainda adota o sistema preconceituoso de castas sociais e promove casamentos arranjados.

Em 2010, por exemplo, pelo menos 78 mil mulheres, entre 15 e 49 anos, teriam se suicidado, infelizes no matrimônio ou para evitá-lo, de acordo com o Ônus Global de Doenças, Lesões e Fatores de Risco de 2010. A pesquisa foi financiada pelo Banco Mundial e liderada pela Universidade de Washington, levando em conta dados da Organização Mundial da Saúde, por exemplo.

A HRW também chama atenção para o fato de mulheres de casta intocável serem forçadas a limpar boeiros e sanitários com as próprias mãos, cujos dejetos são deixados por cidadãos de castas superiores (vídeo com legenda em espanhol). Enquanto que os homens desse mesmo segmento social são obrigados a realizar trabalhos físicos mais pesados.

Imagem: HRW / YouTube / Reprodução

A verdadeira Índia vai muito além daquela mostrada numa novela brasileira, em 2009

No vídeo acima, foi possível ver a declaração de um indiano salientando para a escravidão de nascimento, imposta pela casta.

As violações de direitos humanos na Índia são muitas, apesar dos esforços governamentais para extinguir a o preconceito de castas. Deixa de ser mera prática criminosa para tornar-se um crime cultural. A Constituição proíbe a prática. E é reforçada pela Lei de Proteção aos Direitos Civis de 1955. Já em 2013, o Legislativo aprovou uma lei proibindo o trabalho de catadores manuais e reabilitação da população afetada por meio de inclusão em programas sociais e a oferta de bolsas de estudos. No ano passado, por exemplo, o Tribunal Supremo, a corte mais alta do país, considerou que a função viola o direito internacional dos direitos humanos.